sexta-feira, setembro 24, 2010
Fim de época (24/09)
Fim de época (24/09)
Alon Feuerwerker – Correio Braziliense
É uma regra as revoluções devorarem seus propulsores, pois uma vez no poder a regra passa a ser mantê-lo. E a turma que não entende isso, ou não se sente bem contemplada na nova ordem, acaba entrando na fila da degola
Anos atrás, com o nascimento da Nova República, determinados valores passaram a ocupar o centro do palco. Na segunda metade dos anos 1980, as dificuldades do governo José Sarney e de seu multipolítico PMDB alavancaram o desejo por coisas como “coerência” e “ideologia”.
Com o ocaso do PMDB também caía em desuso a cultura das frentes políticas, da amplitude, da tolerância, do diálogo, da busca de convergências.
Era um tempo de jornalistas e politólogos clamando pelo fortalecimento dos “partidos ideológicos”. A eleição de 1989 preencheu o desejo, enterrando toda uma geração de políticos tradicionais, pragmáticos, centristas.
Mas, diferentemente do que imaginava a opinião pública, não deu nem para Luiz Inácio Lula da Silva nem para Leonel Brizola. Muito menos para o Mário Covas do “choque de capitalismo”. Aliás os dois mandatos seguidos de governador de São Paulo salvaram Covas de encerrar a carreira naquele naufrágio coletivo.
Pouco tempo depois, o desfecho prematuro do mandato de Fernando Collor introduziu a “ética” no portfólio.
E aí a coisa ficou completa, abriu-se uma era jacobina, na qual jornalistas adquiriam estatuto de juízes, separando os bons dos maus, decidindo com polegares para cima e para baixo quem deveria viver ou morrer no circo. Em íntima associação com políticos que surfavam nas ondas, em direção à praia do poder.
Em grande medida, as camadas petistas e peessedebistas que hoje cobrem o sistema são fruto dos valores então emergentes. Ao observar o cenário agora, os decepcionados podem até lamentar os fatos e fazer, a posteriori, o diagnóstico de farisaísmo, mas lá atrás era bacana ser principista.
Hoje os principistas da esquerda estão espremidos. Os da direita nem isso, estão escondidos.
É uma regra as revoluções devorarem seus propulsores, pois uma vez no poder a regra passa a ser mantê-lo. E a turma que não entende isso, ou não se sente bem contemplada na nova ordem, acaba entrando na fila da degola.
Como o ambiente aqui é razoavelmente democrático, a degola não é literal, restringe-se ao plano da política.
O primeiro golpe sério no jacobinismo tucano-petista do pós-Collor foi desfechado por Fernando Henrique Cardoso, quando trouxe o então PFL para apoiar seu PSDB na sucessão de Itamar Franco, em 1994.
Uma parte dos jacobinos do canto tucano da política engoliram a situação de fato, outros ficaram remoendo-se, mas sem maior possibilidade de reação.
E os demais órfãos da “nova política”, na qual os mais céticos enxergavam apenas o velho udenismo? Deslocaram-se para o polo petista e aí passaram a desenvolver sua militância. Com desenvoltura.
O cansaço com FHC em 2002 encontrou-os prontos a prosseguir a revolução inacabada.
Uma parte da radicalização nesta reta final das eleições é, como nos filmes em que o monstro sucumbe no fim em cenas horripilantes, o espetáculo da orfandade absoluta de quem, neste quarto de século, acabou por tornar-se massa de manobra de uns, de outros ou de ambos.
Estão por aí, meio avoados e perguntando, desconsolados: “O que faria o PT se denúncias como as de agora acontecessem num governo tucano?”.
É uma boa pergunta. Mas há uma melhor.
“E daí?”
Temas trocados
A imprensa está em chamas no debate sobre a liberdade de imprensa. Aqui Lula já vai no lucro. O que era uma discussão sobre corrupção virou polêmica sobre a “mídia”.
Corrupção é um tema popular. Liberdade de imprensa, bem menos. Tampouco é assunto positivo, causa também constrangimento, mas num grau bem menor.
É a velha receita de matar uma crise com outra crise. Vai funcionar?
Uma coisa é certa: em sagacidade e esperteza, o presidente continua deixando todo mundo na poeira.
Inclusive a imprensa. Lula segue aqui a receita clássica.
Manter o adversário ocupado defendendo-se.
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