quarta-feira, junho 22, 2011

Os indignados - Daniel Aarão Reis


Os indignados - Daniel Aarão Reis
Na Europa, objeto de desejo de imigrantes de todas as partes do mundo, surgiu o imprevisto: multidões nas ruas e votos de protesto.
Na Islândia, cortaram o nó com rapidez: em plebiscito, resolveram não pagar os especuladores ingleses e holandeses que parasitavam a economia. Como não se encontravam acorrentados ao euro, desvalorizaram a moeda e equilibraram as contas externas. Destituíram os partidos dominantes, e mandaram para o banco dos réus alguns dos principais governantes, acusados de irresponsabilidade na gestão da coisa pública. Agora, empenham-se em construir, liderados por uma comissão apartidária, uma nova constituição que melhor os proteja de crises econômicas e de lideranças não confiáveis.
Em Portugal, apareceu a geração à rasca, marcada por crescimento econômico baixo, índices altos de desemprego e subemprego, sobretudo entre os jovens. Ao mesmo tempo, degradam-se os serviços públicos, encolhem os salários e as pensões, revogam-se vantagens consagradas, e se estreitam as perspectivas de bem-estar social. Horizontes sombrios.
Na Espanha, os manifestantes autodenominaram-se, com razão e emoção, os indignados. Como ensina mestre Aurélio, "indignação" é a cólera despertada por ação indigna. Sinônimo de ódio, raiva. Numa outra acepção pode ser desprezo, repulsa, aversão. Uma mistura de tudo isto e um pouco mais é o que tem levado milhares de pessoas às ruas e praças de Madri, Barcelona, Valência.
Em Atenas e em outras cidades gregas também os indignados de lá têm dado o que falar. Sentam-se nas praças e não querem sair, e resistem às investidas policiais que dali os querem desalojar, usando de violência.
Na França e na Itália o protesto tem revestido a forma institucional. Em eleições parciais os cidadãos deram uma surra de votos nos partidos que exercem o poder. Os italianos, em quatro plebiscitos, promoveram outras tantas derrotas dos conservadores.
Temos aí um quadro, ainda incompleto, mas já expressivo, das ondas de descontentamento que varrem o continente europeu.
Em comum, a revolta contra os poderes instituídos e os representantes eleitos. De direita e de esquerda. Na França e na Itália foram penalizadas as direitas, capitaneadas, respectivamente, pelo inefável Sarkozy, midiático presidente francês, e pelo primeiro-ministro Berlusconi, um sátiro, que, nos últimos tempos, parece mais interessado na arte das orgias do que na da política. Em Portugal, Espanha e Grécia, ao contrário, são os socialdemocratas que se tornaram alvo da ira popular. Na Islândia, como já se disse, foram expulsos de cambulhada, direita, centro e esquerda, alguns para a merecida cadeia.
Na percepção dos indignados, o que há de comum entre lideranças historicamente tão diferentes?
Estão unidos pelas políticas adotadas para lidar com a atual crise econômico-financeira. O comportamento destas lideranças evoca a conhecida frase com a qual Getulio Vargas referia-se a seus ministros: "Há os incapazes e os capazes de tudo". Digamos que as direitas e as esquerdas europeias têm sido incapazes de defender e proteger os interesses de seus povos e capazes de tudo no sentido de proteger e defender os interesses da verdadeira aristocracia financeira que pretende dirigir os destinos do mundo.
Em fins de 2008, quando explodiu a crise, surgiram cifras e abismos insondáveis, impensáveis. Desfez-se a euforia liberal. Formou-se um aparente consenso: havia que repensar todo o sistema. Até políticos conservadores prometeram severidades nos controles, era preciso conter e regulamentar, se fosse o caso, punir, os abusos da finança internacional, cujos níveis de irresponsabilidade social ultrapassavam em muito o que havia de pior nas nobrezas medievais. Nos tempos de antanho, apesar das desigualdades consideradas "naturais", havia um sentido de dever, os de cima tinham responsabilidades, inscritas nos costumes estabelecidos e aceitos. Não cumpri-las autorizava revoltas sociais, era uma espécie de norma. Os chineses antigos prescreviam que, em certas circunstâncias, o mandato celeste podia ser - e era - retirado das mãos de elites desprovidas de compromisso com a sorte de suas gentes.
Entretanto, as promessas não se cumpriram, e já em 2009, os Estados e suas agências entraram no jogo acionando gigantescos mecanismos de socialização das perdas. A ideia, como sempre, era simples. Assim como o chefe policial no clássico filme - "Casablanca -- dizia "prendam os suspeitos de sempre"; políticos e banqueiros - de direita e de esquerda - repetiam agora: paguem os pagadores de sempre. Folgou a aristocracia financeira. Turbinadas pelos dinheiros públicos, as bolsas voltaram a subir, nervosas. Os lucros dos grandes bancos e das imensas companhias em ascensão. As regulamentações aprovadas, pífias, de nada serviram.
Em consequência, mais cedo do que se imaginava, o cassino recomeçou a funcionar, girando implacável, como se nada tivesse acontecido, embora pensadores mais lúcidos continuassem - e continuem - a dizer que a corrida em que se encontra engajado o mundo não é nada promissora.
Mas não apenas sentimentos negativos, de ódio e raiva, movem os indignados da Europa. Motivam-nos também a esperança, de que possam, através de seus movimentos e propostas alternativas - nas ruas e no voto - recuperar o que perderam ou o que nunca tiveram: o protagonismo politico. Pilotar a história com as próprias mãos, exercitar a autonomia, esta formosa palavra, infelizmente há tanto tempo esquecida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters