terça-feira, maio 25, 2010

De volta para o futuro do Ficha Limpa

De volta para o futuro do Ficha Limpa
Efeitos da mudança no tempo verbal do texto da lei dividem especialistas
Alessandra Duarte

Aqueles que forem afeitos a uma polêmica vão gostar da discussão. No debate em torno da nova redação do projeto Ficha Limpa, recém-aprovado no Congresso, agora há quem diga que a mudança no tempo verbal do projeto - pela nova redação, no lugar de "os que tenham sido condenados" entrou "os que forem condenados" - não exclui do alcance da lei os políticos já condenados. Segundo professores e gramáticos, a palavra "condenados", aqui, teria uma função de adjetivo - o que faria com que a lei incluísse todos os que estão na condição de condenados, assim como a frase no início deste texto inclui todos os afeitos a polêmicas.
Para o professor de língua portuguesa Ozanir Roberti, consultor do GLOBO, o "forem", nesse caso, é verbo de ligação. Isso significa que ele não indicaria ação futura (aqueles que vierem a ser condenados), mas apenas um estado ou uma qualidade do sujeito (o estado de ser condenado).
- Vou dar um exemplo. Alguém chega para um grupo de pessoas e diz: "Apresentem-se os que forem condenados". Se ali estiver uma pessoa que foi condenada no passado, que acabou de sair da prisão, digamos, essa pessoa vai se apresentar, porque ela se encaixa na qualidade de condenado - explica Roberti. - Dizer que essa alteração no tempo verbal excluiu os já condenados é tentar armar uma escapatória para os que têm condenações. O texto, como está, vale para eles também, não tenho a menor dúvida disso. Não me venham com subterfúgios gramaticais.
Imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o filólogo Evanildo Bechara afirma que, enquanto o tempo verbal "tenham sido" é mais claro e aponta para uma só categoria - aqueles que já foram condenados no passado -, a expressão "os que forem condenados" dá margem a duas interpretações:
- Uma dessas interpretações abrange só os que vierem a ser condenados. A outra, porém, abrange todos aqueles na condição de condenados, o que, portanto, inclui os que já tiveram condenações. Do meu ponto de vista, essa segunda interpretação é a mais próxima do espírito inicial do projeto pensado pela sociedade. E eu escolho o que está mais próximo do espírito do projeto - analisa Bechara.
No último sábado, a escritora Ana Maria Machado também defendeu, na coluna de Merval Pereira no GLOBO, a interpretação de que "os que forem condenados" significa todos aqueles na condição de condenados: "Na famosa frase que aprendemos na escola (creio que de Osório), a conclamação era: 'Quem for brasileiro siga-me'. Uma maneira de dizer, no singular: 'Os que forem brasileiros sigam-me'. A urgência era evidente. Não se fazia necessário esperar processos de naturalização ou novos nascimentos".
Já para Sergio Nogueira, professor de Língua Portuguesa, entretanto, a alteração no texto pelo Senado provocou redução do alcance do projeto Ficha Limpa.
- "Tenham sido" é pretérito perfeito do subjuntivo. "Forem" é futuro do subjuntivo. E futuro é futuro, passado é passado. "Forem condenados" é o mesmo que "vierem a ser condenados"; ou seja, é para a frente, é para os que serão condenados no futuro. Não inclui as condenações que já ocorreram. Não dá para discutir com a norma - afirma Nogueira. - Agora, se formos ver por que fizeram essa mudança, e aí já entramos no campo da opinião, para mim tudo leva a crer que foi para livrar aqueles com condenações, sim. Da forma como fizeram, os parlamentares quiseram não deixar de aprovar o projeto, para não ficarem mal com a população, ainda mais em ano eleitoral. Mas, ao mesmo tempo, livraram boa parte dos que poderiam ser atingidos.

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