terça-feira, maio 25, 2010

A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 2

A saúde precária de uma Velha Senhora - Parte 2
Por Paulo Saldiva e Evangelina Vormittag
Poluição e Morte
O Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (LPAE) da Universidade de São Paulo (USP) investiga o impacto dos poluentes na saúde dos habitantes da cidade e demonstrou, na década de 90, que um aumento em 13% da mortalidade de pessoas acima de 65 anos esteve associado à elevação das concentrações de partículas inaláveis no ar. Crianças e idosos são os dois grupos etários mais suscetíveis aos efeitos da poluição, particularmente naqueles com doenças cardiovasculares e respiratórias preexistentes. Se a poluição pode aumentar o número de mortes, antes disso provoca doenças. É o caso do estudo em controladores de tráfego da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que demonstra alterações de pressão arterial e de marcadores inflamatórios sanguíneos em dias mais poluídos.
Pesquisa recente realizada nos Estados Unidos, analisando 66 mil mulheres no período pós-menopausa e sem história de doença cardiovascular, observou um crescimento de 24% no risco dessa enfermidade. E, quando ela se manifestava, um aumento de 76% no risco de morte quando as mulheres eram expostas a variações de níveis de poluição atmosférica. Pesquisadores do LPAE têm investigado outros efeitos nocivos da poluição atmosférica. O peso de bebês pode se reduzir quando as gestantes são expostas a níveis elevados de monóxido de carbono (CO) e partículas inaláveis no primeiro trimestre de gestação. Isso permite supor que a poluição afeta o desenvolvimento intrauterino das crianças. Nos primeiros 28 dias de vida, a mortalidade neonatal também é influenciada pelos poluentes. Curiosamente, há evidências de que nascem mais meninas que meninos em áreas mais poluídas da cidade.
CILETE SILVÉRIO/GOVERNO DO ESTADO DE SP

A região metropolitana tem aproximadamente 20 milhões de habitantes e nela estão localizadas 47 mil indústrias e 99 mil estabelecimentos comerciais. Sua frota de veículos cresce continuamente e se aproxima dos 9 milhões de unidades. Na última década, a população de São Paulo teve aumento de 12%, enquanto a frota automotiva cresceu pelo menos 65%. Assim, a relação entre automóveis/habitantes é de 1:2, ou seja, um veículo para cada dois habitantes. Isso significa que o número de sapatos e pneus é aproximadamente o mesmo. A elevação da frota de veículos indica que se favoreceu o transporte individual em detrimento do coletivo, mais eficiente em relação ao uso de energia e ocupação do solo. É uma contradição – tratar da redução de gases de efeito estufa e estimular a venda de veículos individuais por meio de incentivos fiscais, como o que ocorreu recentemente. A ausência de uma política urbana integrada aos transportes contribuiu para a intensificação da motorização e a piora da mobilidade urbana.
A cidade é conhecida por suas vias congestionadas e pelas médias diárias recordes de congestionamento, acima de 120 km no pico da tarde, devido à desproporção no número de veículos circulando por uma malha de 17 mil km. O número de viagens motorizadas pode chegar a cerca de 25 milhões por dia. A velocidade média dos automóveis e ônibus vem se reduzindo significativamente. Em 2005, os carros circulavam a uma velocidade média de 18,4 km/h, e os ônibus a 14,3 km/h, situação que se agravou com o aumento da frota. É aqui que se evidencia o maior paradoxo dessa opção tecnicista: são produzidos veículos de locomoção cada vez mais rápidos e ágeis, mas que se deslocam com a rapidez e a agilidade de uma charrete. Como na Idade Média, os moradores se restringem a circular no seu próprio vilarejo, aqui chamado de bairro, e, quando muito, em apenas uma região da cidade.
De maneira geral, o transporte individual consome 30 vezes mais combustível por passageiro em comparação com ônibus e 70 vezes mais energia quando comparado com o metrô. Segundo estimativas, uma linha de metrô poupa cerca de 3 milhões de barris de petróleo por ano. A ausência dele transfere para ônibus e automóveis, como alternativa modal no contexto de transporte, a maioria (90%) dos usuários, o que acarreta maior tempo de viagem e aumento dos níveis de concentração de partículas no ar, com consequente agravo das condições de saúde dos que vivem na cidade. Esse fato foi demonstrado por um estudo sobre os impactos das paralisações (greve) da operação do metrô (entre 1986 e 2006).Observou-se um aumento de 50% dos níveis de concentração de PM10 (material particulado inferior a 10 micra), comparando-se com dias em condições meteorológicas similares. Os benefícios do metrô para a saúde pública, como contribuição desse sistema de transporte à redução da poluição atmosférica em São Paulo, foram avaliados em R$ 10,75 bilhões anuais.
Apesar das vendas recordes de carros, a maioria (68%) da frota que circula pelas ruas apresenta idade média superior a 6 anos, sendo 41% com mais de 10 anos. Veículos com até 5 anos de idade, que emitem menos poluentes, correspondem a apenas 32% do total. Entre os 2,7 milhões de unidades que emitem mais poluentes, devido ao desgaste natural e à manutenção inadequada, há caminhões e ônibus a diesel, ainda mais nocivos à qualidade do ar. As motocicletas, cada vez mais utilizadas, representam 12,1% da frota, mas poluem oito vezes mais que um automóvel e provocam milhares de acidentes, matando e incapacitando um enorme contingente, a cada ano. Dados de 2009 apontam média diária de 42 acidentes com motocicletas na cidade que são a principal causa de lesão na medula. 
Dois remédios bem-sucedidos trouxeram benefícios à saúde: os carros hoje chegam a poluir 95% menos que em 1986 e os caminhões reduziram seus níveis de poluição em 85% no mesmo período. Esses números são resultado do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que introduziu mudanças tecnológicas e impôs limites nas emissões de gases poluentes de veículos. A redução de 40% na concentração dos poluentes entre os anos 90 e os primeiros cinco anos da presente década foi suficiente para diminuir de 12 para 8 o número de mortes diárias atribuídas à poluição do ar na região metropolitana. O limite máximo de concentração de monóxido de carbono foi ultrapassado 65 vezes em 1997, mas apenas uma vez em 2005. Essa queda da poluição resultou na diminuição de aproximadamente 10 mil mortes e internações hospitalares por doenças respiratórias e cardiovasculares. Se o Proconve não funcionasse, a perda por mortes, somente na cidade, seria de US$ 600 milhões. O segundo remédio diz respeito à inspeção veicular, iniciativa que vem auxiliar na diminuição de poluentes e gases de efeito estufa (GEE). 

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