terça-feira, maio 25, 2010

Nuances da postura nuclear do Brasil

Nuances da postura nuclear do Brasil
O Globo – 25/05/2010
O empenho do governo brasileiro na questão do programa nuclear do Irã refletiria, segundo o Itamaraty, a tradicional postura brasileira de dar preferência a esgotar todos os canais de negociação antes de qualquer decisão mais dura, como as sanções que os EUA manobram para impor ao Irã, por descumprir as exigências da comunidade internacional.
Mas não é só isso. Recentemente, o vice-presidente José Alencar voltou a defender a suposta necessidade de o país ter a bomba nuclear como arma dissuasória. Parece estranho que o vice insista numa opção abandonada formalmente quando o Brasil inscreveu, na Constituição de 1988, o uso exclusivo da energia nuclear para fins pacíficos. O próprio presidente Lula afirmou, em 2009, que "o Brasil é o único país do mundo que menciona em sua Carta Magna a proibição de ter uma arma nuclear". Mas quem se lembra da campanha presidencial de 2002 sabe que Lula provocou polêmica ao criticar a adesão do país ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), e depois teve de voltar atrás. Isso explica boa parte do que ocorre hoje.
Na década de 90, o Brasil se manteve firme no rumo fixado na Constituição. Em 1991, assinou com a Argentina um acordo para inspeções bilaterais e recíprocas de seus programas nucleares. Em 1994, promulgou o Tratado de Tlatelolco, para proscrição de armas atômicas na América Latina e no Caribe. E, em 1997, firmou o TNP, ora em revisão.
Mas há setores influentes no atual governo que criticam essas opções. Um deles é capitaneado pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, hoje ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Esses fatos e a posição do Brasil de oposição às sanções ao Irã levantam suspeitas de que o lulismo esteja preparando terreno para investir contra o TNP. Um dos argumentos é que, sem a bomba, o Brasil seria um BRIC de papel, já que tanto Rússia quanto Índia e China, os companheiros de sigla, fazem parte do clube atômico. Outro é que países oficialmente nucleares (EUA, Rússia, China, França e Grã-Bretanha) pouco fazem para destruir seus arsenais, um dos objetivos finais do TNP.
O que se depreende é que o governo brasileiro, em seus cálculos estratégicos para ampliar o raio de ação do país, chegou à conclusão de que é preciso ir contra os interesses dos Estados Unidos, pois as "amarras" contidas em tratados como o TNP representariam uma capitulação diante da potência hegemônica.
Esta é, no mínimo, uma política temerária. Nada contra a posição brasileira de não concordar com inspeções mais detalhadas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a sua nova geração de centrífugas. Trata-se da preservação de um segredo tecnológico que pode ter bons resultados comerciais. Até porque o programa nuclear do país, como está desenhado, frise-se, já é suficientemente transparente para impedir o aventureirismo nos campos das armas.
O que não faz sentido é mudar, como querem alguns no governo, a essência da postura nuclear do país - fundamental para manter a América Latina a salvo de uma corrida extremamente perigosa neste campo. Não podemos importar para a região a tensão que, por exemplo, Índia e Paquistão plantaram naquela parte do mundo.

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