terça-feira, maio 25, 2010

Divagações sobre um quadro de João Uchôa

Divagações sobre um quadro de João Uchôa

Deonísio da Silva, Jornal do Brasil
RIO - Na exposição da obra artística do fundador da Universidade Estácio de Sá, o juiz aposentado, escritor e pintor João Uchôa Cavalcanti Netto, realizada primeiramente em Lausanne, na Suíça, e agora no Rio, na Livraria Saraiva, depois de ter sido exibida no Espaço Telezoom, há um quadrado a que falta um dos lados. A propósito deste recurso criativo, a psicanalista Gilda Pitombo, com quem tive a honra de dividir a mesa, mais a companhia sempre agradável e instigante de Marcelo Campos, fez um comentário muito interessante sobre as faltas que em nós não vemos, mas vemos nos outros, e acabamos por vê-las melhor quando as vemos neles e não em nós.
Só então é que percebemos que em nós também fazem falta certos apoios. No quadro que contemplei, era o lado de baixo do quadrado que estava faltando. Quase disse “no quadro que completei”, e não “no quadro que contemplei”, que seria um mote muito apreciado por aqueles que prestam atenção a detalhes, atos falhos, lapsos. A arte e a literatura chegaram ao inconsciente antes de Sigmund Freud. Elas veem o passado, veem o presente e antecipam o futuro, tornando o tempo como que redondo. Pois é verdade que o futuro, que nos é desconhecido, pode ser antevisto pelo exame do presente e do passado, que nos ajudam a compreender o que virá.
As artes e a literatura são ferramentas para este entendimento. No futuro, ninguém vai ser muito diferente do que está sendo agora, salvo exceções. Mas exceções também confirmam a norma. E a norma é: você está vivendo de modo muito semelhante ao que viveu no passado. E seus próximos anos – de novo, salvo exceções – serão muito semelhantes ao atual.Quando diante de problemas semelhantes, Santo Agostinho disse uma frase que me encanta pela unidade dos universais da condição humana: “Um rosto irado não é latino nem grego”.
Por que, então, tantas angústias rondam o ser humano? Talvez a principal causa seja que não podemos confiar cegamente nos sentidos, pois eles nos enganam. Assim, apelamos para a literatura, para as artes e também para o mágico, para aquilo que pode acontecer fora dos domínios do real e da lógica, de que são exemplos o que nos dizem as cartomantes e as adivinhas, pois essas profissões são preferencialmente exercidas por mulheres, tidas como mais intuitivas do que os homens. No Rio de Janeiro, parecem predominar as adivinhações por búzios, talvez pela proximidade do Oceano Atlântico. Mas longe da costa prevalece leitura das linhas de nossa mão, onde, aliás, não está escrito nada, são linhas vazias. Mas elas veem ali significados ocultos a nosso pobre entendimento.
Vejam só o teste que vale a pena fazer, um exercício criado para mostrar que nosso cérebro tem um bug. O cérebro de escritores e artistas não apenas não tem esse bug, como tem os seus antônimos. E o que dizem de algum modo se aproxima dos diagnósticos de cartomantes e adivinhas, que ali chegaram por outros caminhos.
Faça, de cabeça, como se diz, a seguinte conta: você tem 1000, acrescenta 40, são 1040. Acrescenta mais 1000. São 2040. Acrescenta mais 1000. São 3040. Acrescenta mais 30. São 3070. Acrescenta mais 1000. São 4070. Acrescenta mais 20. São 4090. Acrescenta mais 10. Você chega a 5000. Agora, tome uma calculadora e vá somando, parte por parte. O resultado é 4100. Nosso cérebro fez um erro de 900 em 4100. É um erro de quase 22%. Se nosso cérebro faz um erro tão grande numa conta tão simples, quantos e quão grandes erros não fará em coisas mais complexas?
Você não vê os erros de seu cérebro, mas saiba que eles existem. Preste muita atenção às intuições que você tem ao contemplar ou completar um quadro! Elas te enganam menos!
Foram essas divagações e pensamentos imperfeitos que me vieram à cabeça naquela mesa que discutia a obra de João Uchôa, mas naquela mesa estava faltando ele, embora estivesse ali com seus quadros!
Deonísio da Silva é escritor.

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