terça-feira, junho 01, 2010

Depois de 148 dias... ...chega o 1º dia livre de impostos

Impostos
Depois de 148 dias... ...chega o 1º dia livre de impostos
Livro demonstra que os brasileiros não toleram mais pagar tributos europeus e receber serviços públicos africanos. Falta um candidato que expresse o desejo do eleitor
Giuliano Guandalini

De cada 1 000 reais que um brasileiro recebe de salário, 400 são consumidos pelos impostos. Esse valor não diz respeito apenas aos tributos cobrados diretamente e subtraídos mensalmente do contracheque. Os impostos estão presentes em todo e qualquer produto consumido. Existem 83 tributos, taxas e contribuições no país, que consomem em média 40% da remuneração que obtemos com o nosso esforço. De 1º de janeiro de 2010 até a sexta-feira passada, 28 de maio, cada brasileiro trabalhou para sustentar o governo em suas três esferas, municipal, estadual e federal. Foram 148 dias de suor recolhidos aos cofres do estado. Em troca de que mesmo? Deveria ser em troca de educação, saúde e segurança. Não é, pois a mesma família que só se livrou das garras do Leão na última sexta-feira vai ter agora de recomeçar a trabalhar para pagar por... educação, saúde e segurança. Uma família de classe média gasta no Brasil um terço de sua renda para pagar escola particular, plano de saúde privado e outros serviços que deveriam ser sustentados pelos impostos. No total, 75% do salário do brasileiro é empenhado em impostos e serviços que os impostos deveriam cobrir.
O economista Antonio Delfim Netto produziu a imagem definitiva para exprimir a tortura a que a população foi condenada, ao chamar o Brasil de "Ingana": uma nação com carga tributária da Inglaterra e serviços públicos dignos de Gana. Uma conclusão similar emerge da leitura de O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo (Record; 196 páginas; 32,90 reais), do cientista político Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise. O livro resultou da pesquisa sobre a opinião dos brasileiros a respeito dos impostos e da avaliação que fazem do governo no uso dos recursos, realizada a partir de entrevistas com 1 000 pessoas de todo o país. Almeida, autor também de A Cabeça do Brasileiro e A Cabeça do Eleitor, toca em uma ferida exposta e da qual os políticos não querem nem ouvir falar. Os brasileiros, independentemente de classe social e nível de renda, sabem que pagam impostos demais e gostariam que os governantes fizessem melhor uso dos recursos existentes. Poucos estão dispostos a ser tributados ainda mais sob a promessa de ampliação de benefícios sociais, como o Bolsa Família ou o Vale-Cultura. Acima de tudo, a maioria absoluta dos entrevistados está convicta de que, se tivesse a chance, preferiria pagar menos tributos para ter mais dinheiro no bolso e gastar com escola particular ou saúde privada.
Como resolver o problema da saúde pública, criando mais impostos ou utilizando melhor os recursos já existentes? Oito em cada dez brasileiros ficaram com a segunda opção. O que é melhor, expandir o Bolsa Família ou diminuir a tributação dos alimentos, para que eles fiquem mais baratos? Mais de 80% dos entrevistados optaram pela segunda alternativa. Mesmo os beneficiados pelo Bolsa Família preferem pagar menos impostos a ampliar o programa assistencial. Quando questionados se consideram que seja necessário elevar o salário mínimo, 93% dos brasileiros afirmam que sim. Mas e se esse aumento for condicionado ao pagamento de impostos? O apoio cai para 56%. Os entrevistados não titubeiam: preferem pagar 100 reais por mês pela mensalidade de um plano de saúde a despender a mesma quantia em contribuições que custeiem o sistema público. Para estimular o emprego, qual a alternativa mais eficaz: diminuir os encargos trabalhistas ou reduzir a taxa de juros? A grande maioria dos entrevistados (68%) indica a primeira opção. Nisso, a propósito, a população concorda com os empresários. Uma pesquisa feita pelo Ibope sob encomenda da Fiesp, a federação das indústrias de São Paulo, mostrou que 65% das empresas citam o sistema tributário como a maior trava ao aumento dos investimentos.
A cada resposta que dão à pesquisa do Instituto Análise, os brasileiros, inconscientemente, ecoam uma das principais máximas do economista liberal americano Milton Friedman (1912-2006), para quem "as pessoas sabem gastar o seu dinheiro melhor que qualquer governo". Essa frase, essência do pensamento de Friedman, resume a opinião demonstrada pelos brasileiros no livro de Almeida. A população quer ter liberdade para escolher. Os eleitores, no entanto, não dispõem hoje da possibilidade de escolher um candidato que os defenda nesse assunto. Nenhum dos principais partidos do país tem a redução dos impostos como uma de suas plataformas eleitorais. É bem diferente do que se vê nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, onde os tributos são um tema que não pode ficar de fora em qualquer campanha eleitoral. Os políticos brasileiros fogem do assunto e, quando instados a comentá-lo, refugiam-se em respostas vagas.
Isso ficou evidente na terça-feira passada, em sabatina com os três principais pré-candidatos à Presidência, promovida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília. Apesar de todos terem concordado que a carga tributária brasileira ultrapassa os limites toleráveis, nenhum deles exibiu planos para aliviar significativamente esse peso. O único que ofereceu uma proposta concreta, mas bem restrita, foi o tucano José Serra, que se comprometeu, caso eleito, a reduzir os impostos do setor de saneamento básico. Dilma Rousseff, sem dar detalhes, defendeu uma carga menor para os investimentos. Marina Silva se comprometeu em buscar a reforma tributária, mas ressalvando que seria difícil tirar esse projeto do papel. Os projetos para estimular o desenvolvimento, de maneira geral, concentram-se em políticas estatais, que implicam invariavelmente uma ampliação dos gastos públicos – e, portanto, mais impostos.
Para Almeida, que trabalha como consultor político, é difícil compreender como os candidatos passam por cima do quase clamor dos eleitores por menos impostos. Por que nenhum candidato tira proveito de uma causa tão popular, que poderia render milhares de votos? O autor arrisca algumas explicações. Em primeiro lugar, os principais partidos pendem para a esquerda, e a redução de impostos é uma bandeira tradicionalmente de direita. Para os esquerdistas, o estado, por meio dos tributos, deve ser o promotor do desenvolvimento e da justiça social. Além disso, os políticos brasileiros, não obstante sua corrente ideológica, "encontram-se na fila do caixa do Tesouro". "Todos querem controlar mais recursos públicos", explica Almeida. Finalmente, os políticos fogem da cruz quando o tema é diminuir a tributação porque, se acenarem com essa proposta, precisarão reduzir gastos e rever privilégios. Afirma Almeida: "Todos mandam a conta final para a sociedade. Não precisam de fato ser eficientes. Para cada gasto adicional, aumente-se uma tarifa ali ou uma alíquota acolá e está tudo resolvido".
Aí está a verdade inconveniente que político nenhum gostaria de ver exposta à luz do sol. É o real dedo na ferida. Como demonstra o livro de Almeida, no entanto, a redução dos impostos é uma plataforma eleitoral pronta, que cedo ou tarde será capitalizada politicamente por algum candidato. "Existe o script, mas falta o ator", diz o cientista político. Ainda há tempo para que isso ocorra na próxima eleição. A vontade dos eleitores, de se verem livres de ao menos parte dos 148 dias no ano de servidão ao governo, já foi expressa. 

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