quinta-feira, agosto 05, 2010

Pressão necessária

Pressão necessária
GEORGE BISHARAT

O governo do Brasil, juntamente com o governo da Turquia, fez um grande favor à comunidade internacional no início deste ano, ao propor uma resolução para a disputa nuclear capaz de respeitar o direito internacional iraniano de desenvolver tecnologia nuclear com fins pacíficos. Embora a proposta não tenha sido implementada, Brasil e Turquia quebraram a mandinga que havia enfeitiçado a comunidade internacional e levado os países-membros a pensar que os interesses americanos e israelenses são os únicos princípios pelos quais a diplomacia do Oriente Médio pode operar.
Infelizmente, este ano o Brasil perdeu outra oportunidade de defender as leis internacionais e os direitos humanos — sem mencionar sua própria Constituição — ao votar, no último mês de março, a renovação do acordo de livre comércio entre Israel e o Mercosul sem o estabelecimento de novas condições.
O Brasil tornou-se agora o maior parceiro comercial de Israel na América Latina e as autoridades esperam um aumento de mais de três bilhões de dólares americanos no âmbito deste novo acordo bilateral de comércio para os próximos cinco anos.
Os termos e os acordos no âmbito do Mercosul demandam que os Estadosmembros e seus parceiros obedeçam ao disposto nas leis internacionais, a proteção dos direitos humanos e os princípios fundamentais da democracia.
O artigo quarto da Constituição brasileira declara que as relações internacionais do país devem ser regidas por princípios como a promoção dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a solução pacífica de conflitos e o repúdio ao racismo.
Ao invés disso, porém, as companhias brasileiras realizam negócios com as empresas israelenses que sustentam a ocupação militar que dura 43 anos nos territórios palestinos, como a Mofet B’Yehuda, que produz em fábricas localizadas em assentamentos judaicos ilegais na Cisjordânia. As empresas brasileiras também firmam contratos com a Elbit Systems e a Israel Aerospace Industries Ltd., que desenvolvem e vendem armas, equipamentos e tecnologia usados para cometer crimes de guerra e violar os direitos humanos dos palestinos.
Israel viola vastamente os termos dos acordos firmados com o Mercosul ao declinar a implementação da democracia secular, por exemplo. As cortes religiosas em Israel decidem todas as questões de direito de família e os partidos religiosos desempenham um papel proeminente na política nacional, incluindo a atual coalizão governista.
Rabinos ortodoxos são legitimados pela lei israelense para tomar decisões vitais sobre quem pode ou não ser considerado judeu para o exercício da cidadania, concessão de herança, entre outros direitos. O casamento civil não é permitido pela lei israelense. Assim, se um cidadão ou uma cidadã palestinos apaixonam-se por um judeu israelense devem casar-se fora do Estado de Israel.
Essas práticas violam o preceito democrático fundamental da separação entre Igreja e Estado.
Israel discrimina 1,2 milhão de cidadãos palestinos a quem rotula, de forma degradante, como “árabes israelenses”.
O sistema legal de Israel carece de um princípio da igualdade firmemente enraizado e as tentativas de legislar sobre o tema no Knesset (parlamento de Israel) têm sido fortemente rejeitadas.
Enquanto os cidadãos palestinos de Israel podem votar e candidatar-se a ocupar cargos públicos, as políticas de governo garantem que permaneçam politicamente marginalizados. Nenhum partido político árabe foi alguma vez convidado a participar de uma coalizão de governo e, nos 62 anos de história de Israel, somente um palestino foi ministro de Estado — dos Esportes e da Cultura. Líderes da comunidade palestina que lutaram por igualdade de direitos foram presos ou exilados.
O Brasil teria sido um melhor aliado para Israel se tivesse atrasado ou negado a renovação do acordo de livre comércio com o Mercosul. Mas o Brasil ainda pode usar a influência do comércio realizado sob o acordo para demandar a observância dos seus termos por parte de Israel. Israel deve cessar seus abusos sobre os direitos dos palestinos sob seu jugo e começar a percorrer o difícil caminho da reconciliação baseado em direitos iguais para todos. Quando isso for feito, o comércio com o Brasil e com outras nações na América Latina será mais que merecido.
George Bisharat (1954) é um palestino-americano professor de direito e comentador frequente em eventos atuais no Oriente Médio, e o conflito israel-palestino em particular.

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