quinta-feira, outubro 21, 2010

Duas ou três lembranças de teatro

Duas ou três lembranças de teatro
Artur Xexéo – O Globo – Segundo Caderno
Iniciando uma carreira teatral ou não colunista se espanta com o público
A primeira vez em que fui ao teatro, deve ter sido em Lorena, no interior de São Paulo. Minha prima Neusa participava de uma montagem amadora de “A bruxinha que era boa”, de Maria Clara Machado. Eu tinha 6 ou 7 anos. E fiquei fascinado.
Mas hoje, pensando bem, imagino que tenha assistido a pelo menos uma peça antes dessa. Volta e meia, algum grupo teatral passava por Piquete mambembando. E minha mãe, entusiasmada com a chegada da trupe teatral, sempre emprestava um ou outro mobiliário lá de casa para ajudar a compor o cenário dos visitantes. Lembro-me muito bem que “Morre um gato na China”, de Pedro Bloch, foi um dos espetáculos que ocuparam o palco do cinema do cassino dos oficiais da Vila Militar de Piquete. Eu estava na plateia, torcendo pelo bom desempenho da escrivaninha do meu quarto. Não me lembro de muito mais. Para mim, a grande estrela de “Morre um gato na China” era a escrivaninha.
Depois, já no Rio de Janeiro, tinha uma amiga da Déia, minha tia, que me levava para espetáculos no Tablado. Se ainda hoje alguém me perguntar quais foram as dez melhores peças que vi na vida, eu não vou deixar de citar “Maroquinhas Fru Fru”, mais uma vez de Maria Clara Machado. De quebra, descobri, mais tarde, que aquela foi a estreia de Jaqueline Laurence no teatro.
Teatro profissional mesmo, só fui ver com uns 9 ou 10 anos. Foi a histórica montagem de “My fair lady”, no Teatro Carlos Gomes, com Bibi Ferreira. Já contei aqui que Bibi sempre foi a atriz predileta lá de casa. Não sei quantas vezes a gente viu, na televisão, Bibi cantando “Mulher rendeira” em vários idiomas. E a gente ficava babando com o talento dela todas as vezes.
Depois, o teatro ficou meio afastado das prioridades da família. Teleteatro, não. Teleteatro, eu sempre vi. Sergio Britto, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, aqui no Rio, no “Grande Teatro Tupi”. Ou Laura Cardoso, Lima Duarte, Dionísio Azevedo no “TV de Vanguarda”, em São Paulo. Mas teatro mesmo, ao vivo, só no fim da década de 60, com o exuberante desempenho de Marília Pêra em “Fala baixo senão eu grito”, de Leilah Assumpção.
Daí por diante, virou vício.
Eu queria mudar de assunto. Falar do debate de domingo, dos crimes na novela das oito, do resgate dos mineiros no Chile... mas, nos últimos dias, tenho respirado teatro. Cometi a ousadia de aceitar o convite de escrever um texto para teatro. Mais ousado que eu, só o grupo de atores, diretora, figurinista, cenógrafo, iluminador, coreógrafo, produtores e diretoras musicais que aceitaram participar da transformação de meu texto em peça. Nos últimos dias, tenho visto como essa gente de teatro se empenha para levantar um espetáculo.
Para proporcionar uma hora e quinze minutos de entretenimento, essa turma trabalha 24 horas por dia. E refaz um arranjo musical, ajusta a luz, tira um elemento do cenário, diminui a caixa cênica (meu Deus, o que será isso?), corta uma parte do texto aqui, acrescenta um caco ali, muda uma marcação...
Eu acho que o espetáculo está pronto há um mês. Mas sou novato no assunto. Pelo que deu para entender, um espetáculo teatral nunca está pronto.

Mais surpreendente do que essa gente que transforma os palcos de teatro, só mesmo a plateia que os frequenta. Ela nunca reage da mesma maneira. Uma noite, o público morre de rir com o que o autor escreveu para ser uma piada. O autor fica tranquilo. Deu certo.
Na noite seguinte, a plateia, no mesmo momento, não esboça sequer um sorriso. Como é que pode? Eles devem estar combinando antes de entrar no teatro. Vamos rir naquela hora, vamos ficar sérios naquela outra, só para desnortear o autor. Tenho chegado cedo ao Sesc Ginástico só para ver se vejo esse momento em que todos combinam como vão se comportar. Mas ainda não peguei ninguém em flagrante. Eles são mais espertos. Minha dedicação ao começo da temporada de minha peça — vou ao teatro todo o dia — me fez deixar de acompanhar um dos meus programas preferidos dos últimos tempos, a propaganda política no horário eleitoral gratuito.
Dia desses, tentei retomar o hábito adquirido durante o primeiro turno. Estava no ar o programa da Dilma. Ela se orgulhava do crescimento da indústria naval brasileira e mostrava a construção do navio João Cândido.
“O João Cândido é um dos navios que transportará as riquezas brasileiras”, narrava o locutor da propaganda. O PT pode ir bem no movimento dos estaleiros do país, mas vai de mal a pior na gramática. É “transportarão”, Dilma! Transportarão. O colunista desinformado reclamou do horário tardio de exibição de “Vale tudo”, de Gilberto Braga, no canal Viva, mas não se deu conta de que a emissora também transmite a novela em horário alternativo: meio-dia. Dona Candoca, que dorme muito cedo, está acompanhando as maldades de Maria de Fátima na hora do almoço.

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