domingo, maio 30, 2010

Quando a mulher pula o muro?

Quando a mulher pula o muro?
Não existe mulher fiel. Havendo o desejo e a oportunidade, a mulher será tão infiel quanto qualquer homem
Peter Moon

Homem fiel quase não existe, afirma a psicóloga francesa Maryse Vaillant no livro Les hommes, l’amour, la fidélité. A fidelidade masculina é tão rara que a mulher deveria parar de se preocupar. “O homem costuma trair também quando ama”, afirmou Vaillant à minha colega Ruth de Aquino, a diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro, em sua coluna Os homens, o amor e a fidelidade, de 14 de maio.
Eu concordo totalmente. Só acho que os homens não detêm o monopólio da infidelidade. E vou além. É verdade que, para a mulher casada (mas não para a solteira), é difícil pular o muro. É preciso administrar o affair com a rotina do trabalho, da casa, do marido e dos filhos. Mas, havendo o desejo, nada é impossível. Meu ponto é o seguinte: atingidas as condições ideais de temperatura e pressão e havendo a oportunidade, qualquer mulher será tão infiel quanto qualquer homem. Esta afirmação é lastreada em um conjunto de pesquisas sobre o resultado de testes de paternidade nos Estados Unidos e na Europa – mas também em relatos que registrei ao longo dos anos, aquelas histórias que quase todo mundo já ouviu falar – e muitos viveram – mas geralmente ninguém comenta em público, já que a hipocrisia grassa na sociedade.
Quem pula a cerca?
O melhor exemplo aqui é o de um amigo meu, o J.A.. Nos anos 1990, enquanto todos os colegas de faculdade estavam casando ou já casados, J.A. resistia. Era um solteiro convicto. E se recusava a namorar, ter compromisso, ser fiel. J.A. havia se habituado à condição ser “o outro”. Suas relações eram breves, intensas, divertidas e furtivas. Ele só se relacionava com mulheres casadas ou que tinham o mesmo namorado há anos. J.A. não tinha dificuldade em encontrá-las. Na verdade, ele já as conhecia. Eram suas amigas, amigas de anos, amigas que, eventualmente, se tornaram mais íntimas. Além da amizade prévia, havia uma constância entre as suas parceiras. Todas viviam relacionamentos frustrantes, mas ainda assim não conseguiam – ou não queriam – romper com namorados e maridos. Buscavam em J.A. o carinho que não encontravam em casa. J.A. tinha consciência que não passava de um estepe. Não se importava. Para ele, aquelas eram relações confortáveis, sem compromisso, just for fun. Inúmeras terminaram sem dor. Algumas poucas, aquelas nas quais J.A. acabou se envolvendo, acabaram mal.
Por conhecer as histórias deste amigo (e de alguns outros), achei parcial a afirmação da psicóloga francesa de que a fidelidade masculina é tão rara que a mulher deveria parar de se preocupar. É claro que não há homens fiéis! Os homens sabem disso. As mulheres, também. Mas não quer dizer que todos os homens sejam infiéis o tempo todo (meu amigo J.A., por exemplo, hoje sentou o rabo, está casado, feliz e fiel). No entanto, dada a oportunidade, qualquer homem pula a cerca. E o mesmo se aplica à mulher. Elas podem ser tão infiéis quanto qualquer homem. Os motivos para a busca de uma relação paralela é que mudam.
Homens pulam o muro à procura de sexo. Para nós, não há conflito entre a busca do sexo fora de casa e o amor que sentimos por nossas namoradas e esposas. É da natureza masculina, assim como a sedução é da natureza feminina. Ao se envolver numa relação paralela, enredando-se nas teias de sedução da amante, o infiel corre o risco de se apaixonar e acabar por abandonar a mulher. A possibilidade existe, já que, por definição, a amante quase sempre buscará deixar a condição de “outra” para assumir o controle da lojinha.
Em sua imensa maioria, mulheres infiéis buscam muito mais do que sexo numa relação extraconjugal. Sexo é importantíssimo, mas para as mulheres não é suficiente. As amantes de J.A. não haviam deixado de amar seus maridos ou namorados (ou de acreditar na ilusão do amor romântico). A mágoa acumulada e a busca de auto-estima às impeliram a procurar carinho. Queriam voltar a se sentir desejadas. Mulheres que seduzem são mais belas porque gostam mais de si mesmas.
Maternidade e infidelidade
Um outro atributo feminino é a maternidade. Algumas mulheres procuram relações extraconjugais com o intuito (consciente ou inconsciente) de gerar vida. Não sou eu quem afirma. São os números. Tudo começou nos anos 1950 com o famoso Relatório Kinsey, o primeiro estudo científico sobre a sexualidade dos americanos. O que me interessa aqui são alguns resultados que jamais saíram publicados no relatório original. Foram censurados. Mas tomei conhecimento deles ao ler, em 1997, Por que sexo é gostoso?, do biogeógrafo americano Jared Diamond.
Os americanos são, em comparação aos brasileiros e aos europeus, de maneira geral mais moralistas. O primeiro estudo de paternidade de que tenho notícia foi realizado pelos pesquisadores do Relatório Kinsey na Maternidade do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, Nova Inglaterra, o ponto de desembarque em 1600 dos primeiros colonizadores puritanos daquilo que viria a ser os Estados Unidos. Ao checar o tipo sanguíneo de pais e bebês do berçário do Mass General, os pesquisadores chegaram à espantosa constatação de que entre 10% e 30% dos recém-nascidos NÃO ERAM FILHOS DAQUELES QUE ACREDITAVAM SER SEUS PAIS. Ora, estas porcentagens foram registradas numa região particularmente conservadora de um país sabidamente conservador e durante uma década conservadora, os anos 1950, que precederam a Revolução Sexual e o amor livre dos anos 1960.
 “Se a ‘discrepância paterna’ podia oscilar de 10% até 30% numa sociedade careta como aquela, o que não esperar do Brasil, uma sociedade cujo povo se relaciona com o corpo e o sexo de forma muito mais livre?”, foi o que pensei ao ler o livro de Diamond. Mais de 60 anos depois da publicação do Relatório Kinsey, hoje se sabe que suas conclusões foram superestimadas. A aferição da paternidade via tipos sanguíneos fornece dados bem menos precisos do que os testes genéticos de paternidade. Eles não existiam em 1950, mas hoje estão muito perto de se tornar disponíveis nas farmácias, como os testes de gravidez. Outro dado a se levar em conta é que, na época do primeiro Relatório Kinsey, não havia anticoncepcionais. A pílula é de 1960.
Hoje se sabe que, dependendo do grupo sócio-econômico e da faixa etária em que a mãe se insere, a ‘discrepância paterna’ (o eufemismo científico para definir a descoberta de filhos ilegítimos) oscila de 1% até 30% (a média é 4%) nos Estados Unidos e na Europa – e, arrisco dizer, também no Brasil. “Medindo a discrepância paterna e suas consequências na saúde pública” é um estudo muito revelador publicado em 2005. Nele, descobre-se que as mulheres mais jovens, na faixa etária entre 16 e 24 anos, têm maior risco de ter filhos com discrepância paterna (15,2% dos casos). Logo em seguida vem o grupo de 25 a 34 anos, com 7,6%. A concentração dos casos nestas faixas etárias se explica por se tratar, em sua imensa maioria, de mulheres solteiras COM MAIS DE UM PARCEIRO.
Há várias razões levantadas para explicar o nascimento de crianças com ‘discrepância paterna’. Muitas são ocasionais e não-intencionais. Uma moça pode ter um namorado antigo. Frustrada com a relação, ela se envolve com outro homem. Como todos sabemos, o rompimento de uma relação longa não se dá de uma hora para a outra. A separação acontece entre idas e vindas. Dura meses. É numa destas vindas que ocorre a fecundação da criança que acabará sendo criada como filha do “amante-que-se-tornou-marido”, mas ignora que não é o pai.
Outra hipótese é a mulher casada que ama o marido, mas não consegue engravidar dele. Há mulheres nestas condições que, deliberadamente, decidem pular a cerca para engravidar, e retornam ao marido para com ele criar o bebê.
O teste de paternidade deve ser proibido?
A infidelidade feminina é a regra em nossa espécie. E 4% de “discrepância paterna” é um percentual médio enorme. Caso os testes de paternidade se tornassem indiscriminadamente acessíveis, seu resultado afetaria e desagregaria uma em cada 25 famílias. Pense na sala de aula dos seus filhos, se você é pai ou mãe. Numa classe com 25 alunos, é quase certo que pelo menos uma criança não é filha daquele que chama de pai. A coisa complica quando se considera que, detectada a discrepância paterna, de uma hora para a outra uma avó e um avô deixariam de ter um neto, irmãos se tornariam meio-irmãos, e o casamento acabaria.
Mesmo nos casos em que a constatação da infidelidade da mãe não encerra o casamento, os pais passam a gastar mais tempo e recursos com seus filhos biológicos do que com aqueles ilegítimos. Este, por sua vez, passam a ter mais risco de sofrer agressão paterna – assim como a comprovação da infidelidade é um fator que pode desencadear a violência doméstica contra a mulher.
Há inúmeras razões pelas quais vários advogados em todo o mundo defendem a restrição do acesso aos testes de paternidade. Estes só seriam utilizados com autorização judicial. “O teste de paternidade atenta contra a família e ameaça o tecido da sociedade”, me disse um amigo advogado.
Homens e mulheres são infiéis. A infidelidade generalizada não é uma questão de gênero, mas de espécie. Nas sociedades tribais, a poligamia é, na maioria das vezes a regra, não a exceção. O Homo sapiens é uma animal polígamo e promíscuo. Herdamos este comportamento do ancestral comum que dividimos com os chimpanzés, que são igualmente polígamos e promíscuos. No entanto, desde a constituição das primeiras cidades e civilizações, há 10 mil anos, a monogamia foi se impondo como uma condição para a vida em sociedade. O grande paradoxo reside na obrigação social, moral e legal de um animal polígamo levar uma vida monogâmica. Sob está ótica, a infidelidade da mulher e do homem é uma válvula de escape que nos reconecta às nossas origens.
(Peter Moon escreve às sextas-feiras)

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