domingo, maio 30, 2010

A SAÚDE É VÍTIMA DE MÁ GERÊNCIA

A SAÚDE É VÍTIMA DE MÁ GERÊNCIA

EDITORIAL - O GLOBO - 30/5/2010
Com maior ou menor relevância, a Saúde é tópico presente na agenda de governos em todo o mundo. Em grande medida, Barack Obama atrelou sua campanha à Presidência dos Estados Unidos ao tema. Uma vez eleito, empenhou prestígio pessoal e poder de pressão do cargo para os parlamentares americanos aprovarem uma reforma do sistema público de saúde. No Brasil, a questão também embala preocupações dos candidatos, ganha destaque em programas de governo, mas quase invariavelmente, fechadas as contas das campanhas eleitorais, fica tudo do mesmo jeito. Nesse hiato de ações concretas que separa os palanques das eleições seguintes, quando volta a ser plataforma de candidatos, a Saúde se perde na leniência, ou na incompetência, dos governos, ou vira refém da invariável panaceia para os males do país — mais dinheiro para a Receita, mais invasão ao bolso do contribuinte.
Foi assim com a CPMF. Sua existência, em tese um bem-intencionado instrumento de capitalização do sistema de saúde, perdeu o sentido quando passou a nutrir o apetite tributário e o sorvedouro do caixa único da União. Mesmo assim, o governo Lula não economizou esforços, nem condenáveis ações de pressão sobre o Congresso (inclusive com o empenho de sua então ministra e hoje candidata a sucessora, Dilma Rousseff), para manter o tributo. Derrubado este, o Planalto tentou a cartada de ressuscitá-lo com outro nome — manobra rechaçada pelos parlamentares. De resto, o mantra de que o fim da CPMF representaria um rombo de R$ 40 bilhões no Orçamento não se confirmou, pois a fome arrecadadora foi saciada pelos próprios exageros do sistema tributário e o crescimento da economia.
Com a proximidade das eleições, a questão da capitalização da Saúde volta à mesa. No pano, a ideia de cobrar dos contribuintes a fatura da melhoria do sistema parece temporariamente sucumbir, à vista dos palanques. Não foi outro, por exemplo, o movimento da candidata de Lula, que chegou a pregar a volta de algo semelhante à CPMF. Confrontada com os prejuízos eleitorais da proposta, Dilma voltou atrás. A exemplo de seu adversário José Serra, passou a defender a regulamentação da emenda 29, que dispõe sobre percentuais mínimos de investimento na Saúde previstos em lei de 2004, jamais aplicada. Dessa forma, discute-se a Saúde a partir de cifras. De fora, fica a realidade de um sistema perverso. Dele, por exemplo, são emblemas a existência de 171 mil pessoas na fila do SUS à espera de cirurgia, como mostrou reportagem do GLOBO domingo passado, e a macabra estatística que dá conta de 40 mil amputações realizadas ano passado em hospitais públicos brasileiros, das quais 80% relativas a portadores de diabetes que não receberam tratamento adequado na rede pública.

Tal quadro é retrato de uma evidência: a Saúde brasileira sofre de má gestão, num sentido amplo que abrange a irresponsabilidade na administração de verbas e a insensibilidade com um sistema perverso, que engole vítimas colhidas quase invariavelmente entre os cidadãos de baixa renda. Disso decorre que apenas alimentar tal rede com mais dinheiro, sem melhorar sua estrutura, fomenta uma situação condenável.
O problema primordial é de gerência. Essa é a discussão principal de qualquer agenda que tenha por preocupação o aperfeiçoamento de um serviço essencial para a dignidade humana. Despejar dinheiro numa estrutura arcaica não resolve o problema

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