sábado, setembro 25, 2010
A Marina do dedo verde
A Marina do dedo verde
RUTH DE AQUINO - REVISTA ÉPOCA
Quando ela fala, veias caudalosas se projetam no pescoço. Marina Silva tem uma voz arranhada, que parece emergir com esforço de sua figura esguia. Com essa voz não treinada, que vem de dentro, Marina foi a candidata, nesta campanha de cartas marcadas, que soube projetar melhor, com inteligência e ironia fina, suas palavras. Talvez porque fossem palavras dela e de mais ninguém. Não mais do mesmo, não o vale-tudo de quem dá mais salário mínimo, 13o de Bolsa Família, ou empregos para a parentalha.
O título deste artigo é uma alusão a O menino do dedo verde, livro infantojuvenil escrito pelo francês Maurice Druon, em 1957, e adaptado para desenho animado. O protagonista, Tistou, tinha um dom: onde colocava o dedo, nasciam flores. O menino conhece a miséria, a prisão e os hospitais. Decide alegrar esses ambientes. E, ao colocar o dedo no presídio, nascem tantas flores que as portas da prisão não fecham mais. Mas os presos não fogem porque o mundo havia mudado para melhor.
Trata-se de uma fábula. Mas, como a realidade desta campanha eleitoral anda difícil de engolir, fantasias são bem-vindas. Na reta final, uma marola verde se torna onda e atrai desiludidos. Marina, que já se apresentou como a “outra Silva” e a “primeira candidata negra à Presidência”, abandonou os slogans que empobreciam seu discurso para colocar o dedo verde nas feridas do país.
Não por acaso a candidata do PV foi quem mais se beneficiou dessa língua malcheirosa que escorre da Casa Civil de Lula. Após as denúncias de corrupção e tráfico de influência do braço direito de Dilma Rousseff, as pesquisas mostram uns pontinhos a mais para Marina. Era previsto. Essa acriana evangélica, com quatro filhos e coque austero, é a única novidade. Suas reflexões sobre o Brasil e os adversários têm um carimbo de franqueza, sem arrogância. Concordando ou não com ela, somos compelidos a escutá-la.
A candidata do PV foi quem mais se beneficiou da língua malcheirosa que escorre da Casa Civil de Lula
Suas frases de muito efeito ecoaram em cabeças pensantes e na juventude. Seguem-se algumas delas: “Lula e Dilma infantilizam o eleitor brasileiro com essa história de pai e mãe”. “É possível perder ganhando e ganhar perdendo.” “Serra e Dilma são inteiramente parecidos porque defendem um modelo de desenvolvimento do século XX.” “O Brasil não precisa de um gerentão” (referindo-se a Dilma). “Meus adversários criam duas novelas: numa, o Brasil é todo azul, na outra é cor-de- rosa.” Marina se diz contra “o ‘promessômetro’ para ganhar simpatia”. Quer acabar com o “voto por gratidão” e criar o “voto cidadão”. Difícil, inviável, dirão, mas há um componente de sedução em sua fala.
Na semana passada, depois que Lula proclamou, em mais um comício – “Nós somos a opinião pública” –, a menina do dedo verde reagiu: “Eu acredito na liberdade de imprensa. Acho que o presidente fez uma crítica à imprensa que é contraditória com toda a sua trajetória dentro do PT”.
Dilma perdeu a fachada de paz e amor e reagiu com fúria às denúncias na imprensa. “Ela teve uma recaída. Parecia até ela mesma”, teria dito um aliado da petista, segundo a Folha de S.Paulo. A outra má impressão da semana foi a entrevista de José Serra ao Bom dia Brasil, na TV Globo. Não deixou que os jornalistas perguntassem quase nada. Impedia apartes, num tom professoral e prepotente que afasta até seus eleitores. A uma repórter do humorístico CQC, da Bandeirantes, Serra perguntou se ela tinha namorado. Não é a primeira vez que perde a noção.
Sem plásticas ou cabeleireiros, Marina cresceu de estatura ao longo da campanha. Seu discurso a princípio ambientalista ampliou-se e ganhou consistência no campo dos valores e da ética. Mesmo que a enorme maioria dos brasileiros não vote nela, sabe-se o que sua candidatura representa: uma terceira via, de olho no desenvolvimento sustentável do século XXI, que não comporta esmolas para uma massa tutelada e semianalfabeta. Quando deixou o governo Lula, após quedas de braço com Dilma, Marina afirmou: “Perco o pescoço, mas não perco o juízo”. E não perdeu mesmo.
RUTH DE AQUINO é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro raquino@edglobo.com.br
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