sábado, setembro 25, 2010

O inimigo dentro de nós

O inimigo dentro de nós
Por Vilmar Berna*, do Portal do Meio Ambiente
Ser, em vez de ter, tem sido apontado por alguns como uma das saídas para a crise ambiental. Trata-se de uma preocupação legítima, pois o Planeta tem recursos finitos. Entretanto, não temos como fazer tal escolha, pois somos matéria e espírito, ao mesmo tempo, cada qual com suas necessidades. Quando orientamos nossas escolhas para TER em vez de SER, também o fazemos por razões espirituais, no caso, a de querermos ser reconhecidos, importantes, poderosos, por exemplo. Existem limites para nossas necessidades materiais. Ninguém consegue comer além dos limites do próprio estômago. Mas não há limites para a ganância, a ambição humana, a insensibilidade com o outro, sentimentos que dizem respeito ao nosso espírito.  O mundo em que vivemos tem divulgado a ideia da posse de bens materiais e de riquezas como um indicador de sucesso e felicidade. Para o Planeta, o problema de um sistema assim é que a base de recursos naturais é finita, e a ganância por mais recursos, infinita. Para alguns, nenhum sucesso financeiro ou poder parece bastante!
O mundo em que vivemos não é constituído apenas do que conseguimos ver e tocar, mas também das ideias que fazemos deste mundo. Por isso o mundo para um muçulmano é diferente do mundo para um cristão, ou para um ateu, ou budista, etc. A ideia que fazemos do mundo não é uma ideia nossa, mas foi sendo construída por nós, desde a infância, a partir da família, da escola, dos meios de comunicação, da sociedade e cultura em que vivemos. Entretanto, não temos que ser o resultado dessas influências, pois temos a possibilidade de pensar, de repensar, de escolher.
Como não será possível atender a todos, para que uns poucos possam ter acesso aos recursos naturais de todos, alguém terá de ceder a sua parte, consciente ou inconscientemente, por bem ou por mal. Na paz, através de mecanismos de mercado onde uns aceitam vender barato suas riquezas naturais e outros concordam em vender caro os produtos beneficiados fabricados com essas riquezas. Ou na guerra, quando países poderosos, mas dependentes de recursos inventam um pretexto qualquer, inclusive estimulando a intolerância religiosa, ou mentindo descaradamente, para se apropriarem do controle sobre recursos naturais estratégicos, como vimos recentemente na guerra entre EUA e Iraque em relação ao petróleo.
Nossa atual ideia de mundo associa lucro material (ter) a sucesso (ser), e a posse de bens materiais e dinheiro (ter) como o passaporte para a felicidade (ser), estimulando uma corrida de saque sobre os recursos do planeta. Quanto mais alguém possuir, dominar, controlar recursos naturais mais bem sucedido será considerado. A existência de fracassados, de perdedores, de pobres, de excluídos não é um indicador, para os defensores de tal ideia de que exista algo errado com ela. Argumentam que a existência de pobres e excluídos não é algum indicador de problemas com o sistema, mas por que não gostam de trabalhar, de estudar, não tem coragem suficiente para empreender e correr riscos. E para reforçar tais ideias, divulgam histórias de empresários bem sucedidos que começaram pobres.
Trata-se de uma luta de conquista por recursos como no passado, só que agora os opressores, adeptos dos lucros crescentes e ilimitados, não usam mais chicotes, correntes ou escravos, mas ideias.  São beneficiados pelo  analfabetismo funcional em que pessoas que sabem ler e escrever têm dificuldades para compreender as ideias num texto. Contam ainda com o crédito fácil a perder de vista, onde as pessoas se deixam escravizar em suaves prestações que a tornam obrigadas a trabalhar incansavelmente pela vida toda a fim de pagar as contas. E quando terminam de pagar por algum bem este já foi planejadamente tornado obsoleto e precisa ser substituído, numa ciranda permanente e crescente de produção que requer o uso intensivo de recursos naturais numa ponta e consumo e desperdício na outra, gerando esgotamento de recursos naturais, perdas de ecossistemas e montanhas crescentes de lixo.
Ao ser divulgada a ideia de uma sociedade onde ter é sinônimo de ser feliz e bem sucedido - onde se vende a ideia de que um mundo melhor é possível, desde que você tenha o dinheiro para ter acesso a ele - por que alguém iria querer se libertar?! Se libertar da ideia de ser feliz, de ser bem sucedido? Não parece fazer sentido para a maioria, principalmente quando o consumo numa ponta é o que gera os empregos na outra!
Numa era de comunicação globalizada e quase instantânea, talvez nossos problemas estejam na falta de reflexão sobre nossas ideias de mundo que, pelo fato de serem repetidas por milhões de pessoas, desde que as sociedades humanas começaram a se organizar, ou divulgadas exaustivamente, não se tornam verdadeiras.
Cada vez se torna mais difícil combater um inimigo que está dentro de nós e por isso mesmo pensar pode doer, pois significa ter de rever e rejeitar ideias que temos do mundo como nos fizeram acreditar, um mundo no qual todos à nossa volta acreditam sem questionar. E já que para a maioria a ideia de mundo é a ideia de um mundo criado por Deus, então não há como pensar o mundo sem pensar também na ideia de Deus! Não falo de Deus, por que não entendo, mas falo da ideia que fazemos dele, de um Deus que tudo sabe e que tudo vê, logo, também vê as injustiças, as desigualdades, as perversidades e, se quer ou permite que as coisas sejam assim pensar sobre uma nova ideia de mundo pode incomodar e até doer, pois significa ter de encarar o fato de que talvez Deus tenha nos abandonado, tenha escolhido ficar do lado dos ditadores e torturadores sanguinários, dos exploradores e poderosos, usando-os como pragas modernas para nos testar e mesmo para nos punir pelos ‘pecados’ de tratar a sua Criação da forma como tratamos!
Pretender reconstruir nossa ideia de mundo pode ser pretensioso demais. Entretanto, o mínimo que posso fazer é tentar pensar, livremente, defender-me de verdades que me parecem mentiras. E nada disso é fácil. Fácil é alienar-se ou manter-se alienado, deixar a vida nos levar, não tentar resistir! Creio que este é o meu papel social, contribuir, em minha esfera de influência, a combater o analfabetismo funcional estimulando nas pessoas o gosto e o acesso à leitura, a combater a verdade única, a democratizar a informação socioambiental,  a dar voz e vez aos que pensam e escrevem.
O fato de não saber exatamente qual é este mundo melhor, não significa que não imagine que é possível, muito menos que não seja capaz de recusar o que já sei que não é. Preciso enfrentar o desafio de construí-lo, junto com parceiros e parceiras, no próprio ato de caminhar, que pressupõe a ação e reflexão sobre cada passo dado a fim de não trocarmos de ditaduras ou de ilusões apenas.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br  ).  Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas – www.escritorvilmarberna.com.br     (Envolverde/Portal do Meio Ambiente)

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