terça-feira, outubro 19, 2010

Os dois estudaram economia...

Os dois estudaram economia...
...mas na campanha fazem tanta confusão de conceitos, tantos discursos vazios e tantas promessas inviáveis que fica difícil acreditar
RICARDO MENDONÇA – Revista ÉPOCA
PARA A PLATEIA
Serra e Dilma tomam café na campanha corpo a corpo em São Paulo e no Distrito Federal.
A desinformação dá o tom dos discursos
O candidato tucano à Presidência, José Serra, formado em engenharia, tem mestrado e doutorado em economia pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos. A candidata petista, Dilma Rousseff, graduou-se em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, depois foi aluna de mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp, em Campinas. A atual eleição, portanto, é uma disputa entre dois economistas.
Seria uma ótima oportunidade para o Brasil discutir como manter um patamar sustentado de crescimento e como gerar mais riqueza para a população. Seria. Porque quem ouve as palavras de Serra e Dilma na campanha tem elementos para duvidar que ambos tenham algum dia estudado economia. São tantas promessas exageradas, tantas afirmações tecnicamente absurdas, tantos discursos confusos e desconexos que o eleitor poderá – independentemente de quem vença a eleição – no mínimo passar o próximo governo se divertindo ao comparar a dura realidade do país com o mundo fantasioso desenhado pela propaganda eleitoral.
Tome, por exemplo, a área de transporte. Um dos fetiches da campanha de Dilma é o célebre trem-bala ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas, projeto listado no Programa de Aceleração do Crescimento – mas ainda longe, muito longe de sair do papel. Com custo estimado em quase R$ 35 bilhões, até agora ninguém soube informar com precisão alguns dados básicos do projeto, como prazos, quantidade de estações, forma de financiamento ou fatia de participação da iniciativa privada. Mesmo assim, aliados de Dilma já chegaram a falar em ampliação do percurso, conectando Belo Horizonte e Curitiba ao traçado “original” – seja ele qual for.
Como se tratava de uma bandeira de Dilma, Serra evidentemente afirmou ser contra o trem-bala. Mas, como contraponto, anunciou algo ainda mais grandioso: a construção de 400 quilômetros de metrô em 13 cidades. O número, curiosamente redondo, é cinco vezes superior a tudo o que foi feito de metrô em São Paulo desde 1968, quando o sistema paulistano começou a ser construído. Como envolve desapropriações em áreas mais caras e uma quantidade ainda maior de vagões e equipamentos, estima-se que chegaria a custar mais caro que o próprio trem-bala. Traçados? Prazos? Custo? Financiamento? São questões cuja resposta, a essa altura, não parece estar ao alcance de nenhum economista.
Tome, agora, outro dos temas candentes desta eleição: a privatização de estatais, considerada uma espécie de anátema em certos setores da campanha de Dilma. No debate da Band, no dia 10, Dilma afirmou que Serra, se eleito, promoveria a “privatização do pré-sal”. “Sabe quem trouxe esse tema (privatização) nessa semana? O principal assessor energético do candidato Serra, David Zylbersztajn”, disse Dilma. “Ele é a favor que haja uma privatização. Não da Petrobras, agora, mas do pré-sal. Que esse pré-sal seja passado para as empresas privadas internacionais.”
Zylbersztajn foi presidente da Agência Nacional do Petróleo no governo Fernando Henrique Cardoso e não tem nenhuma relação com a campanha de Serra. Ele concedeu uma entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada no dia 5. Nela, não falou em privatização. Disse apenas que aconselhou Serra a manter, no caso do pré-sal, o atual modelo de exploração de petróleo, conhecido como regime de concessão. Nesse regime, a União licita uma área, permite sua exploração pela empresa vencedora e cobra royalties da produção. Essa empresa pode ser pública, privada, nacional ou estrangeira. E isso funcionou assim durante todo o governo Lula.

Para o pré-sal, a mudança proposta pelo governo Lula é trocar esse regime por outro, conhecido como sistema de partilha, em que a União é dona do óleo extraído. Mas a exploração pode continuar nas mãos de empresas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras. A acusação de Dilma não faz, portanto, o menor sentido econômico.Se a eventual decisão de manter o atual sistema – como propõe Zylbersztajn – fosse sinônimo de privatização, então a Petrobras já seria, hoje, uma empresa privada. Parecia simples para Serra responder, mas não foi. Bastava que ele apontasse as contradições no discurso de Dilma, mas não apontou.
Nenhuma área tem gerado tanta promessa exagerada quanto as sociais e trabalhistas. Dilma falou em criar 6 mil creches. Que há demanda, ninguém discorda. Interessante mesmo seria saber como chegaram a uma conclusão tão precisa desse total. Muito mais surpreendente é a promessa petista de construir 2 milhões de casas populares. Esse total equivale ao dobro do que está planejado no programa Minha Casa Minha Vida, o maior já feito na história do país, cuja meta é erguer 1 milhão de residências. O orçamento do programa de Dilma também seria o dobro, cerca de R$ 130 bilhões, financiados com subsídios aos beneficiados. Isso antes mesmo de terminar as mais de 500 mil casas que faltam do programa anterior.
Na área social, a promessa mais vistosa de Serra ainda não foi completamente compreendida. No início, ele falava genericamente em “dobrar o Bolsa Família”, programa com 12 milhões de famílias beneficiadas. Depois, passou a falar num 13o pagamento do benefício. Agora, além do 13o, sua campanha diz que vai beneficiar “mais 15 milhões de famílias”. Numa conta simples, de quatro pessoas por família, isso significaria levar o benefício a quase 110 milhões de pessoas, ou 60% população. O Bolsa Família do governo Serra atenderia gente de classe média, empregada, educada e sem risco de cair na miséria.
Duas outras promessas repetidas por Serra causaram especial espanto: o reajuste do salário mínimo para R$ 600 em 2011 e o aumento de 10% nas aposentadorias. A preocupação é maior com essas duas promessas, pois elas incidem sobre despesas correntes do governo. Ao contrário das obras, não há amortização ou data final para os desembolsos. Como o Estado distribui mensalmente 27 milhões de contracheques vinculados ao salário mínimo, o economista Raul Velloso calcula que o reajuste para R$ 600 representaria um impacto de R$ 21 bilhões para o próprio governo já em 2011. “Do ponto de vista técnico, isso vai na contramão da racionalidade”, diz. “É impossível apoiar um negócio desses. R$ 21 bilhões foram 60% de todo o gasto de investimento do governo no ano passado.”
Sem mexer nos investimentos, Serra teria apenas duas alternativas para cumprir a promessa dos R$ 600: diminuir a economia primária feita para garantir o pagamento de contratos ou aumentar a carga tributária. Ambas são de difícil encaminhamento político – ainda mais para quem, na campanha, também prometeu cortar impostos sobre folha de pagamentos, cesta básica, saneamento, eletricidade, medicamentos e combustível de ônibus. Para garantir a saúde das contas públicas, diz Velloso, seria preciso congelar o mínimo por dois anos depois desse aumento.
Uma hipótese politicamente viável – além de necessária para o país – seria vincular os aumentos na aposentadoria e no salário mínimo a reformas como a da Previdência ou a trabalhista. O economista Fábio Giambiagi, especialista em previdência, é pouco otimista: “Se tivessem colocado essas promessas no contexto de uma negociação (de reformas), até faria sentido. Mas ele não fez isso. O número R$ 600 já está aí e o reajuste tem de sair em janeiro. Depois, com o dinheiro no bolso, quem vai querer saber de reforma?”.
São perguntas assim que, a partir de janeiro, desafiarão a real competência de Serra ou de Dilma como economista.

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