quinta-feira, setembro 30, 2010
Eu sou você amanhã: será?
Eu sou você amanhã: será?
Cora Rónai – O Globo
Sempre que se fala em Olimpíadas no Rio de Janeiro, a primeira cidade lembrada é Barcelona: Barcelona era uma cidade em decadência antes dos jogos, ninguém visitava Barcelona, o porto de Barcelona era infecto, a segurança de Barcelona também era precária... Eis que se realizaram as Olimpíadas e presto!, de ruína urbana Barcelona virou destino obrigatório para turistas descolados, exemplo vivo do que um evento esportivo pode fazer por uma cidade detonada.
Outra cidade muito lembrada é Londres, que vai sediar as Olimpíadas do ano que vem. Mas será que é mesmo para essas cidades que deveríamos olhar? Barcelona é muito menor do que o Rio e nunca teve problemas tão sérios quanto os nossos. Já a capacidade de organização inglesa é ligeiramente diferente da brasileira; basta dizer que, em Londres, as obras estão adiantadas em relação ao cronograma! Tenho a impressão de que faríamos melhor olhando para Nova Délhi, onde começam, neste domingo, os jogos da comunidade britânica, os Commonwealth Games, que a cada dois anos reúnem as ex-colônias inglesas durante dez dias de esporte de alto nível. Nem que seja para pôr as barbas de molho e aprender como não fazer.
Nova Délhi ganhou a corrida para sediar os jogos em 2003 — e deitou-se sobre os louros até 2008, quando a burocracia começou, enfim, a discutir o que, como e quando construir.
Quando estive lá, há um ano, a cidade parecia um canteiro de obras. Não havia praticamente calçada intacta — as velhas calçadas estavam sendo removidas para dar lugar a novíssimas calçadas, perfeitas e sem buracos.
Mas, no começo desta semana, faltando menos de dez dias para o início dos jogos, as calçadas — segundo o noticiário — continuavam na mesma. Já o orçamento inicial das obras passara de US$ 405 milhões para US$ 2,5 bilhões, com a possibilidade de chegar a estarrecedores US$ 15 bilhões, na esteira de uma corrupção nunca antes vista na História daquele país.
Das 34 torres de alojamentos para as delegações, apenas 18 estavam prontas e, ainda assim, com ressalvas: de acordo com o chefe de missão escocês, os apartamentos visitados por ele eram “impróprios para habitação humana”. Os banheiros vazavam, as descargas não funcionavam e as instalações elétricas eram precárias ou inexistentes.
Sheila Dikshit, ministra-chefe de Nova Délhi, garantiu, no começo da semana, que na quarta-feira (ontem!) praticamente todos os apartamentos estariam prontos. Mas, ainda que isso venha a acontecer, os problemas da Vila do CWG não terão acabado. Desobedecendo aos conselhos de arquitetos e urbanistas, que recomendavam outra localização, as torres foram construídas às margens do rio Yamuna. A cidade vem de um período de seca e o pobre Yamuna, no mais das vezes, é um tímido leito de água que não ameaça ninguém.
Só que, este ano, para atrapalhar ainda mais as já atrapalhadas autoridades, a Índia teve as piores monções em três décadas. O Yamuna transbordou, alagou parte do complexo esportivo e deixou, na vazante, sinistras poças de água parada, de onde saíram nuvens de mosquitos carregando uma epidemia de dengue, com mais de cem casos registrados até agora.
Não foi tudo. Por causa da construção feita às pressas, uma passarela que levava do estacionamento ao estádio Jawaharlal Nehru — onde será realizada a cerimônia de abertura — veio abaixo, ferindo 23 operários. O teto da arena de boxe desabou. Pelo menos um dos estádios programados para os jogos, o Shivaji, já foi descartado, porque os próprios responsáveis pela construção reconheceram que não ficaria pronto a tempo.
A imprensa indiana denunciava o estado das obras há tempos, mas lá, como cá, o governo tende a achar que qualquer notícia que não seja a favor é pura conspiração. Foi preciso que vários atletas de renome se recusassem a ir aos jogos, alegando motivos de saúde e de segurança, e que os delegados estrangeiros pusessem a boca no trombone, para que, enfim, alguém tomasse uma atitude.
Até o começo da semana, ninguém tinha certeza se os jogos seriam ou não realizados.
Houve pressão de todos os lados, o primeiro ministro Manmohan Singh pisou firme, alguns funcionários foram demitidos, outros contratados. Levas de trabalhadores foram recrutadas para limpar o entulho; diretores e gerentes de hotéis cinco estrelas foram chamados às pressas para ajudar no que fosse possível.
Na segunda-feira, finalmente, menos de uma semana antes da abertura dos jogos, apareceu na internet a primeira foto de um quarto limpinho, bonitinho, com duas camas cobertas com lindas colchas temáticas alusivas aos jogos. Ao mesmo tempo, as primeiras delegações começaram a chegar à capital indiana mas, pondo as barbas de molho, instalaramse em hotéis, até que as chefias dessem sinal verde para a Vila do CWG.
Os dramas da realização dos Jogos de Délhi não terminam (e nem começam) aí. Decidida a mostrar uma fachada civilizada para os visitantes, a prefeitura resolveu tirar das ruas 250 mil cães, 45 mil vacas, 350 mil vendedores ambulantes, 120 mil mendigos, 80 mil moradores de rua, para não falar em números não quantificados de camelos, cabras, carneiros e elefantes. Não se sabe em que pé está isso.
E nós com isso? Espero que nada. Mas espero, também, que as autoridades responsáveis por Copas e Olimpíadas estejam acompanhando o que acontece em Nova Délhi, para ver como pode dar errado o que dá errado. Blog: cora.blogspot.com. E-mail: cora@oglobo.com.br
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