segunda-feira, outubro 11, 2010

Muro para ciganos gerou críticas de ONGs e Igreja Católica contra Portugal

Muro para ciganos gerou críticas de ONGs e Igreja Católica contra Portugal
10/10/2010 - 09:23 | Vitor Sorano | enviado especial a Beja (Portugal)
Por conta do tratamento dado às populações ciganas em relação à habitação, o governo de Portugal está sendo questionado no Comitê Europeu de Direitos Sociais – órgão que zela pelo cumprimento dos direitos humanos no bloco. O mesmo acontece com Grécia, Itália e Bulgária, países com grandes comunidades de ciganos no sul da Europa.
No dia 17/9, o Centro Europeu para Direitos dos Ciganos (ERRC, em inglês), entidade autora da queixa, declarou procedente a reclamação do ERRC e convidou o governo português a se pronunciar até 5 de novembro. Se constatar uma violação de direitos, o comitê enviará um relatório ao Conselho Europeu, que exerce pressão política para que o país corrija a situação. Para a entidade, as políticas de habitação adotadas no país são “infectadas de ânimo racial” e 31% dos ciganos mora em condições abaixo do padrão.
Inadequadas: as casas dos ciganos a partir do interior do bairro de Pedreira 
“Conheço situações muito piores que as dessa comunidade. Ali há condições de habitalibilidade muito melhores do que em outras”, diz Rosário Farmhouse, Alta Comissária para a Imigração e o Diálogo Intercultural de Portugal.
Para o diretor-executivo da Anistia Internacional em Portugal, Pedro Krupenski, o sentimento anti-cigano no país, assim como no bloco europeu, vem se agravando. A construção do muro é vista por ele como uma migração de atitudes xenófobas da esfera das ações individuais para coletivas – no caso, em nível local, e na França, em nível nacional, com a expulsão de ciganos imigrantes.
“Efetivamente, (o muro) é algo simbólico que materializa a discriminação, a segregação na comunidade local e dificulta o acesso aos direitos cívicos, sociais e culturais”, afirma. “Os ciganos são, de longe, os mais discriminados, em tudo”.
Afastamento
Segundo o ERRC, 13 das 50 unidades têm mais de sete pessoas e 15 abrigam mais de duas famílias em coabitação. Os imóveis, de um ou dois quartos, são considerados pequenos para famílias ciganas, como a do desempregado Alexandre João, 32 anos, que vive com mais sete pessoas. “Dormimos uns em cima dos outros. Antes, eu tinha minha barraca onde moravam dois”, conta.
“Foi mal projetado. Certamente, foi feito por alguém que não conhecia a etnia cigana”, diz Maria Teresa Chaves, presidente da Cáritas Diocesana de Beja, que trabalha com a população carente da cidade.
Os moradores afirmam não terem sido consultados. “Estávamos à espera de casas e não nos deixaram vê-las. Quando vimos, eram muito pequenas”, diz Alexandre João. “Disseram: esta é a tua”, lembra o também desempregado Manuel Reis Manano, de 29 anos, sobre o dia da chegada.
“A única coisa adequada é que as casas são térreas”, afirma a psicóloga Cátia Graça, da Cáritas.
Restrições
Na queixa, o ERRC afirma que as regras das políticas de apoio habitacional são geralmente restritivas à participação dos ciganos, por exigirem a declaração de impostos e emprego formal. No Pedreiras, a maioria da população é desempregada permanentemente e vive de benefícios sociais, como o Rendimento Social de Inserção – espécie de Bolsa-Família português. Segundo Rosário Farmhouse, cerca de 40% da comunidade cigana em Portugal, por real necessidade, recebem o benefício. “Hoje, 60% têm trabalho”, afirma.
Família cigana ao lado de muro construído em Beja 
Além da falta de verbas, os municípios apontam a existência de uma pressão contra medidas de apoio a membros da etnia no campo habitacional, segundo uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Territoriais (CET) do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). 
Em outros estudos do mesmo órgão, a população cigana aparece “sempre como um fantasma que invade a maioria dos munícipes e que se expressa em assembleias municipais ou através de conversas informais com autarcas ou mesmo através de reclamações pouco fundamentadas”, diz Alexandra Castro, pesquisadora do CET. Ela defende a realização de campanhas de sensibilização da opinião pública. “O principal inimigo é o medo”, diz a Alta-Comissária, Rosário Farmhouse.
“O Bairro das Pedreiras é outra jogada. Não vá lá que te pegam”, avisa um homem de 30 anos quando lhe é pedida a localização. “Temos que evitá-los. Há muitos ciganos em Beja, mas a trabalhar, zero. Temos que aturar, porque dá vontade de”, diz Bruno Martins, de 27 anos, dono de uma pastelaria na região central da cidade, fazendo sinal de esganamento. “Os ciganos não conseguem se integrar em uma sociedade como a nossa”, diz um jornaleiro da mesma área que não quis se identificar.
Participação
Para a presidente da Cáritas Diocesana de Beja, Maria Teresa Chaves, a inflexibilidade na imposição de condutas à etnia cigana colabora para a exclusão. “As minorias tem de participar nas decisões sobre sua vida. Não é dizer: 'não conheço, fazemos à nossa maneira e eles é que agradeçam'. É preciso que envolvê-las”, diz, sobre o modo como as casas do Bairro das Pedreiras foram construídas.
Em relação à educação, a psicóloga da Cáritas, Cátia Graça, diz que estão programados workshops para dar maior formação aos docentes sobre a cultura cigana, de modo a evitar atitudes excludentes e dar a conhecer a cultura. Ela cita o exemplo de uma criança em período de luto por causa do falecimento de um familiar, durante o qual os ciganos não podem ouvir música. “Se calhar, em vez de dar nota negativa (pela não participação em uma aula de música), ela pode fazer outra atividade”, sugere.
Integração
Realojar ciganos em locais longe do centro da cidade ou em áreas rurais – como acontece em Beja – é a regra nas áreas pesquisadas pelo ERRC, diz o órgão. “A maior parte da comunidade tolera, mas não aceita a convivência com a vizinhança (de ciganos)”, diz o bispo de Beja.
“Neste momento não há espaço disponível, não temos condições em termos de recursos. Não há hipótese de mudar”, diz o presidente da Câmara Municipal, Jorge Pulido Valente, sobre uma eventual realocação do bairro de modo a integrá-lo à malha urbana da cidade. A área onde está o Pedreiras, diz, era o único espaço possível para realojar os moradores da ocupação ilegal e ter, ao mesmo tempo, uma área para que famílias nômades pudessem acampar.
A agressividade – que a Cáritas identifica entre as crianças ciganas, às vezes como defesa – é causadora de dificuldades de integração, segundo o presidente da câmara. “Alguns serviços não vão até lá por causa do comportamento. Os motoristas têm receio, pois vandalizam os ônibus, não querem pagar o bilhete. O motorista (do transporte escolar) já foi agredido por uma mãe. Temos tido funcionários que se recusam a ir lá trabalhar”, afirma Valente

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