quinta-feira, outubro 14, 2010

AS LEIS E AS PALAVRAS Direito de permanecer calado gera confusão nos EUA

AS LEIS E AS PALAVRAS
Direito de permanecer calado gera confusão nos EUA
POR RAFAEL BALIARDO
O psicólogo forense Richard Rogers é considerado o maior especialista dos Estados Unidos na intrincada complexidade linguística e cognitiva por trás do que a cultura criminalista norte-americana chama de “Advertências Miranda” (Miranda Warnings, no original em inglês). São as famigeradas frases celebrizadas por filmes policiais e séries televisivas dos EUA: “Você tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá e será usado contra você no tribunal. Tem ainda o direito de falar com um advogado...”.
A despeito da aparente superficialidade do clichê, os Miranda, como são conhecidos nos EUA, correspondem à declaração de direitos que a autoridade policial é obrigada a dizer ao indivíduo que é rendido em custódia, antes mesmo de realizar qualquer pergunta relativa a sua autoria ou participação em uma atividade ilícita.
As origens do enunciado são constitucionais. A Quinta e Sexta Emendas da Constituição dos Estados Unidos garantem, respectivamente, ao cidadão detido pela Polícia o direito de permanecer em silêncio e de dispor de representação legal para defender-se.
As Advertências Miranda foram estabelecidas pela Suprema Corte do país no ano de 1966, na decisão do conturbado caso Miranda contra o Estado do Arizona. Desde então, toda e qualquer declaração autoincriminatória feita pelo réu não constitui elemento ou evidência para julgamento se este não foi informado previamente, pelos policiais que o renderam, do direito de se recusar a prestar informações e do direito à assistência jurídica. Para renunciá-lo, o suspeito tem que fazer uma declaração “consciente, inteligente e voluntária” de que abre mão da garantia constitucional.
Há mais de 40 anos, Ernesto Arturo Miranda, preso sob a acusação de sequestro e estupro, foi condenado em primeira instância por um tribunal que tomou como evidência apenas a confissão do suspeito. Em 1966, ao examinar o recurso da ação que questionava a detenção do réu, a Suprema Corte decidiu por revogar sua prisão por entender que a Quinta e a Sexta Emendas foram desconsideradas, e os direitos constitucionais de Ernesto Miranda negligenciados. O réu seria condenado em um novo julgamento em que depoimentos de testemunhas e outras provas foram apresentadas.
Desde o célebre caso, a Suprema Corte estabeleceu a obrigatoriedade de apresentar-se o enunciado a quem é detido. As Advertências Miranda ou os Direitos Miranda, como são conhecidos, tornaram-se uma referência para a população e migraram para o imaginário popular, especialmente para o cinema. Na língua inglesa, existe até mesmo o verbo “Mirandize” (em maiúsculo mesmo), que descreve a leitura ou declaração oral da garantia.
Na época, a Suprema Corte estabeleceu que tipo de informações deveriam ser comunicadas ao suspeito, criando, quase que informalmente, uma espécie de guia para as autoridades policiais. Contudo, os juízes não determinaram um texto padrão, deixando de especificar que frases ou palavras deveriam ser usadas. Essa lacuna, aparentemente não muito importante, abriu precedentes para inúmeras discrepâncias e situações quase que surreais envolvendo a declaração do direito de não se autoincriminar: desde a prisão de inocentes até intermináveis impasses em tribunais. Esses casos tem desafiado cortes em todo o país e mesmo o mais alto tribunal de Justiça dos Estados Unidos.
O fenômeno ganhou a atenção do Ph.D. Richard Rogers, que, depois de anos de pesquisa, tornou-se a maior autoridade no país sobre as implicações que envolvem o uso das frases. Rogers é professor da Universidade do Norte do Texas, já tendo ocupado importantes cargos na Divisão de Psiquiatria e Justiça da Universidade Rush, Chicago, e na Divisão de Psiquiatria Forense da Universidade de Toronto, no Canadá. O estudioso está à frente de diversas pesquisas que envolvem não só o contexto cognitivo e social das Advertências Miranda, mas também análises sobre a competência e capacidade psicológicas de réus em tribunais e avaliações de insanidade de suspeitos. As avaliações feitas por Rogers, especialmente nos casos de insanidade, são bastante requisitadas em cortes por todo os EUA, inclusive em julgamentos importantes.
O professor é também responsável por ter desenvolvido testes que avaliam a simulação de insanidade, sintomas e doenças por réus. Testes que se tornaram referência para o campo da psicologia forense nos EUA. Rogers foi agraciado ainda com premiações de âmbito nacional como o Manfred S. Guttmacher Award, da Associação Americana de Psiquiatria; o Distinguished Contributions to Forensic Psychology Awards, da Academia Americana de Psicólogos Forenses, e o Amicus Award, pela Academia Americana de Psiquiatria e Justiça.
Autor de mais de 170 artigos na área e de seis obras sobre a prática da psicologia forense, Rogers é atualmente investigador-chefe da Fundação Nacional de Ciência, onde coordena estudos que avaliam o uso das Advertências Miranda. Algumas de suas pesquisas têm ajudado representantes do sistema de Justiça dos Estados Unidos a compreender falhas decorrentes do uso indiscriminado desses enunciados.
Em um artigo publicado no verão de 2008 na revista especializada Criminal Justice, o professor avaliava: “Apegar-se a mitos científica e juridicamente infundados sobre o uso dos “Miranda” continuará repercutindo em consequências inaceitáveis como a detenção de inocentes e falhas em acusar e prender os verdadeiros criminosos. Emprestar clareza e empregar simplicidade às Advertências Miranda irão nos ajudar a percorrer o longo caminho para corrigir os erros que têm frustrado os profissionais de Direito e despertado a revolta da opinião pública”.
O professor Richard Rogers conversou com a revista Consultor Jurídico sobre os problemas enfrentados pelo sistema de Justiça Criminal dos EUA, decorrentes do uso equivocado das Advertências Miranda.
Leia a entrevista:
ConJur — Como e quando surgiu seu interesse em estudar as Advertências Miranda? Richard Rogers — É interessante, mas eu, como a maioria dos americanos, acreditava que existia apenas um tipo de Advertência Miranda e que havia boas pesquisas em curso sobre o tema. Por isso, esse assunto nunca havia me interessado de fato. Eu trabalhava em um artigo quando me deparei com os primeiros estudos realizados sobre os Miranda, como os chamamos aqui nos EUA. Descobri que havia ao menos 50 tipos diferentes de advertências, porque cada um dos 50 estados corresponde a uma jurisdição diferente. Percebi que, na verdade, não sabia nada sobre aquilo e que, provavelmente, a maioria de nós sequer concebe o quão complexa a aplicação e a decorrente compreensão desses comunicados policiais podem ser. O problema é que, quando a Suprema Corte estabeleceu a exigência para que a Polícia usasse as Advertências Miranda ao efetuar prisões, eles não determinaram o que seu conteúdo denotaria. Eles nunca especificaram que linguagem ou frases as advertências deveriam ter, de modo que isso deixou uma lacuna para que cada jurisdição, tanto em nível de condado, estado e federal, inventasse as frases a sua maneira. Eles pretenderam ser flexíveis, mas, dessa forma, deixaram a porta aberta para que se criassem centenas de tipos diferentes de Advertências Miranda.
ConJur — No Brasil, conhecemos essas frases de filmes policiais e séries de TV, mas temos poucas informações a seu respeito. Sabemos que o direito de não se autoincriminar é constitucional, mas a maioria de nós desconhece outros aspectos que envolvem o uso das frases. Por que avaliar como elas são usadas é tão importante a ponto de serem objetos de pesquisa? Qual o problema de não existir um texto padrão e qual o impacto disso para o funcionamento do sistema de Justiça criminal dos EUA? Richard Rogers — O propósito das Advertências Miranda é garantir o direito assegurado sobretudo pela Quinta Emenda de preservar o cidadão de autoincriminar-se. A Suprema Corte, em 1966, questionou a prisão de Ernesto Miranda com base em que o suspeito desconhecia essa prerrogativa e estabeleceu a exigência de se comunicar os cidadãos sobre isso. Pois bem, para você abrir mão de um direito, de uma garantia constitucional, o mínimo que pode se esperar é que você tome essa decisão baseado em uma informação correta, partindo do pleno conhecimento dos seus direitos. Esta é a sutileza. O Estado tem de informá-lo para que você possa tomar a decisão, e não simplesmente presumir que você conheça os seus direitos. E se você é um suspeito em custódia da Polícia, tem que saber do direito de se aconselhar com um advogado, isso precisa ser informado corretamente. O erro é assumir que todos sabem disso e que qualquer um entende o que isso implica independente de como é comunicado. Descobrimos que esse equívoco é muito maior do que se imagina e gera consequências que comprometem o funcionamento da Justiça.
ConJur — O senhor poderia dar um exemplo de como essa variabilidade linguística afeta a compreensão que o suspeito detido tem do que a autoridade policial está dizendo? Richard Rogers — Em dois estudos que realizamos em nível nacional, reunimos 888 diferentes formas de Advertências Miranda coletadas em inúmeros estados. Algumas apresentavam variações muito sutis, apenas uma palavra ou duas diferentes. Outras apresentavam uma linguagem dramaticamente diferente. A principal discrepância percebida foi no nível de instrução necessário para se compreender algumas delas. O nível de entendimento das advertências escritas variava entre a terceira série do ensino elementar até a pós-graduação. Era impossível que alguém que tivesse apenas concluído o ensino médio pudesse compreender as mais sofisticadas. Algumas tinham apenas 50 palavras e outras mais de 500. Descobrimos que, para suspeitos menores de idade, as advertências eram ainda maiores, com mais de 700 palavras. Você pode imaginar um menor de idade detido pela Polícia tendo que compreender um rosário de explicações com mais de duas páginas de extensão?
ConJur — Então, as Advertências Miranda para menores de idade são mais extensas? Richard Rogers — Em alguns casos, sim. O raciocínio é que elas precisam ser melhor explicadas, com mais detalhes já que estão voltadas para jovens. E isto é correto. Só que apenas aumentaram o grau de complexidade. Estamos trabalhando agora em outra pesquisa e apuramos que as Advertências Miranda juvenis são, por vezes, escritas em uma linguagem mais complexa e tendem a ser mais longas. De fato, algumas delas são mais difíceis de entender.
ConJur — O ponto é que as Advertências Miranda, da forma como são apresentadas, não são claras o suficiente? Richard Rogers — Não é só isso. Em relação à recusa da garantia constitucional de não se autoincriminar, é exigido que ela seja declarada de forma racional e consciente, mas o suspeito, muitas vezes, sequer sabe que permanecer em silêncio não irá prejudicá-lo mais tarde, em frente ao juiz, e desata a falar para se proteger. São equívocos muito sérios. Do meu ponto de vista, vejo nossas pesquisas não só como cientificamente relevantes, mas como algo que busca o aperfeiçoamento de nossa Justiça. É justamente o contrário do que muitas pessoas dizem, que só queremos tornar as coisas ainda mais fáceis para os criminosos. Não se trata disso. Se a autoridade policial pode lançar mão de um enunciado simples e claro de declaração de direitos, isso apenas colabora com o trabalho da promotoria e faz dos julgamentos processos mais precisos e efetivos.
ConJur – De que forma? Richard Rogers — Como expliquei, alguns críticos de nosso trabalho dizem que esse tipo de estudo apenas torna as coisas mais fáceis para os criminosos. Certa vez, quando iniciávamos uma pesquisa, um xerife nos disse que praticamente tínhamos sangue em nossas mãos por tentar proteger criminosos com tecnicismos. Este não é o caso. Pesquisas têm demonstrado (e não são só pesquisas minhas) que a confusão na compreensão das Advertências Miranda leva a confissões falsas por parte dos suspeitos, seja por limitações de conhecimento ou mesmo por problemas de inteligência e de ordem cognitiva. Outro ponto é a detenção de inocentes. Muitos dos suspeitos são facilmente intimidados pela figura do policial, e um número impressionante apresenta apenas transtornos psiquiátricos. Isso compromete e atrasa o trabalho da promotoria, já que se está detendo a pessoa errada e não o responsável pelo crime, que continua impune.
ConJur — O senhor percebe, em contrapartida, a abertura do sistema de Justiça aqui nos EUA em relação ao que pesquisas como a sua revelam? Richard Rogers — Depende muito, mas, no geral, há um grande problema que envolve o senso comum. Um dos aspectos da Suprema Corte ter estabelecido as Advertências Miranda da forma como fizeram é que se criou uma falácia a esse respeito, de que todos conhecemos nossos direitos e que abrir mão de uma garantia constitucional sequer se trata de uma decisão de fato. É muito difícil quebrar a resistência e fazer as pessoas olharem além desses equívocos de concepção. Por exemplo, posso mencionar dois equívocos muito comuns?
ConJur — Claro. Richard Rogers — Um dos enganos mais fundamentais de compreensão se dá no entendimento do que realmente significa o “direito de permanecer em silêncio”. Todos pensamos que sabemos o que isso significa. Você mencionou os filmes policiais. A maioria dos norte-americanos pensa então que temos o direito de permanecer calados independente do que isso resulte. Mas não se trata disso. Na verdade, o que ocorre é que o cidadão dispõe de uma salvaguarda constitucional que garante que não falar ou deixar de responder as perguntas dos oficiais de polícia não irá ser usado contra o réu no tribunal, sequer pode ser considerado como elemento de avaliação em uma corte. Em um dos estudos que realizamos, 30% dos suspeitos não conseguia entender que se ficassem em silêncio isso não iria prejudicá-los. E a maioria, depois de ser informada dos direitos através da Advertência Miranda, concluiu que permanecer em silêncio constituía evidência de culpabilidade. Como a frase muitas vezes é dita: “Tudo o que disser vai ser usado contra você no tribunal”, muitos suspeitos pensam: “Falar vai me incriminar, e o direito de ficar em silêncio não garante nada, logo, não falar também pode me incriminar porque demonstra que tenho algo a esconder”. Em outras palavras: “Falando ou não falando, estou ferrado”. Então, muitos começam a conversar com os policiais para tentar amenizar as consequências. Quando analisamos os suspeitos que eram estudantes universitários, o número dos que não conseguiam compreender a ideia corretamente subiu para 36%. Então, como disse, se falar ou não falar é indiferente, por que não falar?
ConJur — O modo de falar dos policiais também não pode ser uma forma de causar confusão? Richard Rogers — A polícia pode inventar coisas e mesmo mentir para o réu, e isso é aceitável, pois consideramos parte do processo de investigação. Isso não é tomado como um problema. A Suprema Corte admite, por exemplo, que policiais possam mentir para o suspeito. Os policias então fazem o trabalho deles e podem dizer que conhecem uma testemunha que assistiu o indivíduo cometer o crime, quando, na verdade, não conhecem testemunha alguma. Ou ainda inventarem algo sobre as acusações, dizerem que há outras evidências contra o suspeito, quando não há. Só que a maioria das pessoas acredita que a Polícia está legalmente proibida de mentir. E isso as leva a falar e desconsiderar completamente a Advertência Miranda apresentada pelo oficial. Outro dado interessante é que metade dos suspeitos detidos em custódia acredita que se disser algo como: “o que vou falar agora quero que fique fora dos autos, off the record”, então o conteúdo do que disser não será considerado pela corte. Isso não existe, não há como fazer uma declaração off the record. Outros 25% pensam que se você não assinar um termo de recusa da Advertência Miranda, então ela não é legal, a Justiça não pode considerar o que o suspeito disser naquele momento. De tal modo, conversar um pouco pode não ser tão prejudicial. Enfim, são questões-chave que comprometem a clareza e a eficiência do trabalho da Polícia e da Justiça Criminal.
ConJur — Seus estudos mencionam também problemas com as traduções das Advertências Miranda para suspeitos que não falam inglês. Richard Rogers — Sim. A língua mais presente no país depois do inglês é o espanhol. Se olharmos as traduções feitas para o espanhol, veremos que há uma série de problemas graves que comprometem a inteligibilidade do enunciado. Eu não disponho de nenhuma tradução em português aqui comigo. De qualquer forma, em 10% dos casos, verificamos que certas partes das advertências simplesmente não são traduzidas e incluídas na versão em espanhol. Muitos policiais portam a advertência impressa em cartões. De um lado, está em inglês, e de outro, em espanhol. Mas a tradução não confere. Por exemplo, algumas versões apresentavam a frase “você tem o direito de permanecer calado” como “você tem o direito de permanecer pintado com cal” [Nota: a confusão se dá porque, em espanhol, a palavra “callado”, que significa “calado”, foi trocada por “encalado”,que significa “coberto de cal”]. Isso não é impressionante? Trabalho com estudantes de doutorado que falam espanhol e que se deparam com traduções desse nível o tempo todo. Meu palpite é que muitas dessas traduções são feitas precariamente com softwares eletrônicos. São erros grosseiros e não se limitam apenas ao idioma. Mencionei que as Advertências Miranda juvenis são, por vezes, mais extensas. Compreendemos que a intenção era torná-las mais acessíveis aos jovens detidos em custódia, mas muitos especialistas em leis discordam da forma como é feito. Outro exemplo: me deparei com uma advertência que tentava explicar o que é um juiz para um suspeito juvenil e que descrevia então o juiz como um árbitro de beisebol. Não só a linguagem era inapropriada como a comparação muito equivocada, desconsiderando totalmente que a decisão do juiz pode simplesmente resultar em detenções que duram anos.
ConJur — Em que tipo de pesquisas o senhor está trabalhando agora? Richard Rogers — Com Advertências Miranda, tenho duas ou três linhas de pesquisa em andamento. Tenho trabalhado também para desenvolver certas escalas de avaliação psicológica para serem usadas por psicólogos e psiquiatras. A intenção é padronizar a análise do texto das Advertências Miranda, encontrar um modelo formal de análise dos enunciados para podermos identificar problemas de compreensão que estes podem gerar. Como os que impedem que o suspeito entenda seus direitos e que, caso abra mão de suas garantias, o faça com alguma confiança. Temos tentado desenvolver uma espécie de escala para o vocabulário e assim verificar se indivíduos podem entender a linguagem básica dos Miranda. Dessa forma, conseguimos identificar problemas como quando o policial se refere aos “direitos” do suspeito, e ele compreende simplesmente como sendo uma orientação de direção do tipo “vá para a direita” [Nota: em inglês, a palavra “right” é usada em ambos os casos]. “Renúncia”, no sentido de abrir mão dos seus direitos, é outro vocábulo que dá margem para uma série de erros que, às vezes, levam a impasses em decisões judiciais. Há um padrão de equívocos que se repete e envolve o uso das frases. Depende, às vezes, do grau de conhecimento que o suspeito pensa ter dos seus direitos e das técnicas de coerção usadas pelos policiais, que podem ser mais rigorosos ou amigáveis. Algumas jurisdições exigem a presença dos pais ou do tutor quando o menor é detido e decide falar. Então, os policiais ligam para os pais e dizem: “Estamos com o seu garoto!” Quando os pais chegam, começam a disciplinar o menor na frente dos oficiais: “Conte para nós e para a Polícia o que aconteceu”, eles dizem, ignorando os aspectos legais do que estão fazendo. Enfim, é um universo de elementos o qual a Justiça Criminal tem que lidar e avaliar.
ConJur — Quando decidiu trabalhar com psicologia forense, o senhor imaginou que sua área de interesse estaria em questões ligadas às leis, ao funcionamento do sistema de Justiça Criminal e, em especial, trabalhar com questões que envolvem a compreensão da lei? Richard Rogers — Quando concluí a faculdade não imaginava que viria a me interessar por psicologia forense. Eu pensava que iria trabalhar em algum centro comunitário de saúde mental ou algo do tipo. Porém, o primeiro emprego que me ofereceram foi em um hospital forense. Eu não sabia muito do assunto, mas eles pagavam bem e eu sempre tive um interesse amplo sobre questões legais e sobre a Justiça, de certa forma. Aquele foi o começo da minha carreira. De repente, estava trabalhando em um hospital de segurança máxima e lidando intensamente com o assunto. Então, fui admitido para trabalhar na Escola de Medicina da Universidade Rush, onde, na época, desenvolviam um programa acadêmico que abrangia estudos entre psiquiatria e Justiça. Foi quando pude tomar conhecimento do grande espectro de questões intelectuais e psicológicas que envolvem o mundo das leis e da criminalidade, e como proceder para avaliar as relações entre psicologia e Justiça.
ConJur — Qual o maior desafio de se trabalhar em colaboração com a Justiça e de analisá-la do ponto de vista científico, como pesquisador? Richard Rogers — A dificuldade se dá principalmente na relação e no intercâmbio com outras áreas. Eu tenho realizado pesquisas com o que chamamos de competência e capacidade do réu de apresentar-se no tribunal e com avaliações de insanidade de suspeitos. Muitas vezes, os tribunais e mesmo a Suprema Corte criam regras tolas, baseadas em conceitos que não levam em consideração aspectos científicos ou psicológicos. E não dá para culpá-los, eles estão fazendo o seu trabalho, mas a questão é que os tribunais podem não estar suficientemente atentos ou serem sensíveis a aspectos psiquiátricos, médicos e técnicos. Posto isto, o desafio é como definir um critério e como desenvolver ferramentas para avaliar uma área que tem sua própria lógica e estrutura de funcionamento como é o caso da Justiça. De que forma organizar nosso estudo de campo nessa área sem perder de vista a complexidade de todos os conceitos envolvidos. O exemplo que me vem à mente é que algumas das descrições legais para “insanidade” se limitam ao conceito de que o criminoso “aprecia a criminalidade”. Porém, o que isso significa? A Justiça tem de lidar com uma gama muito ampla de referências e isso é um enorme desafio. Sobre insanidade, por exemplo, há milhares de páginas escritas sobre o assunto, tanto do ponto de vista jurídico, como do psicológico. Então, qual é a melhor forma de operacionalizar a atuação da Justiça quando ela tem que abordar noções como a de insanidade, sem que, para isso, todos tenham de ir à corte e dar sua opinião, tendo ou não conhecimento sobre o assunto?
ConJur — No exercício da Justiça, os profissionais têm que lidar com diferentes aspectos da vida humana. Como o senhor vê o aperfeiçoamento desse diálogo com outros campos? Richard Rogers — O que ocorre — e eu estive envolvido em casos importantes — é que, às vezes, você tem uma dúzia de especialistas de diferentes áreas testemunhando para o juiz, cada qual com uma opinião diversa, contextualizada de acordo com seu campo de atuação, pois não há qualquer grau de concordância sobre o tema discutido. É claro que, até certo ponto, essa diversidade é benéfica, e minha intenção é avaliá-la em seus aspectos forenses.

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