quinta-feira, outubro 14, 2010

Fundo perdido

Fundo perdido
Miriam Leitão – O Globo
Quem foi ao FMI voltou com a impressão de um mundo à deriva. Os países não sabem o que fazer para lidar com a atual etapa da crise que começou em 2008. O diretor-gerente do Fundo limita-se a repetir que falar não resolve, é preciso ter políticas para enfrentar o quadro atual de queda do dólar, baixo crescimento, dívidas e déficits altos. O Brasil perto dos outros vai bem, mas se vai bem por que juros de quase 11%?
Os juros atraem mais dólares. Hoje é um bom negócio tomar dinheiro em qualquer país do mundo e mandar para o Brasil, para fazer o que os economistas chamam de arbitragem de juros. Além disso, o país é um bom estacionamento de dinheiro, lugar para deixar o capital que os investidores ainda não sabem onde pôr. Esse dinheiro especulativo cria valorização excessiva do real quando entra no país; cria desequilíbrios quando sai às pressas por algum evento que produza uma elevação do medo de risco.
Todo mundo culpa a China por grande parte dos desequilíbrios, ao manter sua moeda artificialmente desvalorizada. A China culpa os Estados Unidos e os outros países ricos por terem uma política monetária excessivamente frouxa com juros zero. Isso estaria inundando os países emergentes de dólares. Todos têm razão. Os Estados Unidos, além de juros zero, vão aumentar o volume de dólares em circulação através da compra de títulos. O governo Barack Obama está tentando reverter o quadro desfavorável. O governo dele está perdendo popularidade, altos funcionários e chances eleitorais ao mesmo tempo. A China tem moeda controlada no mundo do câmbio flutuante e isso alimenta um desequilíbrio insustentável. Na Europa ainda não se sabe como será enfrentado o mar vermelho das dívidas públicas e dos déficits. Quando o déficit é alto é sinal que a dívida vai continuar crescendo, porque um realimenta a outra. A reunião do FMI era uma oportunidade de entendimento, mas ninguém se entendeu e a China ainda elevou o tom contra as críticas ao valor de sua moeda. Em artigo de análise, o “Financial Times” começou assim: “Outra reunião, outro fim de semana de frustração para os defensores da coordenação econômica internacional.” No mês que vem haverá nova chance, a reunião de cúpula do G-20, mas não haverá muito avanço se continuar o clima de beligerância entre Estados Unidos e China.
No Brasil, o governo, por razões eleitorais, continua a dizer que é apenas vítima de seu próprio sucesso, mas isso não é tudo. O déficit externo é crescente, está se formando uma bolha de crédito, alguns preços de imóveis começam a não fazer sentido algum nas comparações internacionais, o governo aumentou os gastos e os juros estão entre os maiores do mundo.
José Serra e Dilma Rousseff que se preparem e pensem em saídas para a armadilha em que o país está, porque quem ganhar a eleição terá que governar num mundo ainda confuso e incerto. Ajustes nos gastos públicos serão inevitáveis. O país vai crescer menos e certamente as cobranças, comparações com este último e gordo ano do governo Lula serão feitas, qualquer que seja o eleito. O debate eleitoral não ajuda a saber como os candidatos pensam em enfrentar o dilema. Eles pouco falam de economia e quando o fazem é para prometer mais gastos.
Há uma parte dessa oscilação cambial que está fora do nosso controle. Outros países emergentes como Coreia do Sul e África do Sul vivem situações semelhantes. Mas a solução brasileira de elevar o IOF terá pouco efeito. Parte do problema é resultado de nossos próprios desequilíbrios. A situação internacional descrita pelo ministro Guido Mantega como guerra cambial não parece que vai acabar tão cedo. Pelo contrário, os sinais da última reunião do FMI são desanimadores. Os jornais americanos refletem as ameaças da Casa Branca de aumentar a pressão sobre a China. O Brasil, segundo o “Wall Street Journal”, é uma das vítimas da estratégia chinesa de manter sua moeda muito desvalorizada e assim incentivar fortemente suas exportações.
Há muita coisa esquisita acontecendo no mundo ao mesmo tempo. Os preços dos metais estão subindo de forma espantosa. Os saltos de algumas commodities têm ajudado o Brasil, como é o caso do minério de ferro, que desde dezembro de 2008 acumula alta de 95%. O cobre subiu 165% no mesmo período. A London Metal Exchange está dizendo que este é um ano maravilhoso. Os analistas afirmam que a demanda chinesa parece não ter fim e a produção em alguns países produtores de cobre caiu 12%, isto é que explicaria a recuperação rápida do metal. Alumínio subiu 57% e outras commodities também estão com forte alta. O níquel se valorizou 151% desde o pico da crise; o estanho, 130%. O preço do ouro disparou 24% este ano na bolsa de Nova York. Tudo bem se o mundo estivesse crescendo como estava antes da crise, mas hoje os Estados Unidos, Japão, Europa estão estagnados, e nos países que crescem mais fortemente os números de alta do PIB são enganosos, porque refletem em grande parte a recuperação em relação ao desastroso ano de 2009. É preciso atenção ao quadro internacional. Ele pode trazer surpresas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Skoob

BBC Brasil Atualidades

Visitantes

free counters