quinta-feira, outubro 14, 2010

Marina, liderar é preciso

Marina, liderar é preciso
JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE
O apoio a Dilma tornaria Marina uma linha auxiliar do lulismo e desqualificaria a trajetória que a separou deste governo e de seu ex-partido
Forma-se, aos poucos, um consenso, dando como certo que a senadora Marina Silva se omitirá no segundo turno das eleições presidenciais. Os argumentos são muitos e de peso, mas não me convencem, pois não fazem jus ao perfil moral e político que, pelo que pude observar até agora, distingue-a de outras figuras políticas.
E não é uma opinião de última hora. Consultando meus alfarrábios, encontrei estes comentários, de agosto de 2009, destinados a um amigo, observador, como eu, da conjuntura política: "Acho que, se o Lula quisesse eleger um sucessor do PT e se aferrasse a impô-lo ao partido, a Marina seria o mais próximo possível de uma candidatura imbatível. Imagine um político não político, mulher, inteiramente dedicada aos deserdados da sorte, incapaz de um ato de agressão. Só que não seria o Lula, não seria o PT, muito menos a base partidária lulista".
As opções ao alcance de Marina não são fáceis nem unidimensionais. Em primeiro lugar, há uma alternativa entre uma decisão privada, calcada em interesses pessoais, e uma decisão de caráter público, calcada em sua agenda política.
A decisão pública consiste em optar entre apoiar a candidatura de Serra ou a de Dilma neste segundo turno. Sua racionalidade está em seguir a linha de maior compatibilidade entre cada candidatura e o projeto político da senadora.
Nenhuma pessoa pública pode ser destituída de ambições; a diferença moral entre políticos está na maior ou menor capacidade de cada um para pôr suas ambições pessoais a serviço do bem público.
O projeto político de Marina, a meu juízo, vem se revelando com crescente nitidez a partir de sua saída do governo Lula, seguida de sua saída do PT, e, finalmente da adesão ao PV, com o objetivo já transparente de concorrer à Presidência. Uma trajetória que implica recusa do continuísmo do governo Lula e ruptura com os usos e costumes do PT, tanto ou mais do que com suas bandeiras.
Não vejo como essa trajetória poderia ter como desfecho assegurar a continuidade do lulismo, sob a liderança daquela que representou o mais pertinaz obstáculo às políticas defendidas por Marina. E isso ao preço de um ministério, como consta que cogitaram lhe ofertar.
Se a oferta fosse programática, tampouco posso imaginar como Marina, conhecendo sua ex-colega de governo melhor do que todos nós, poderia confiar em que um eventual governo Dilma possa acolher seus projetos e prioridades.
Marina poderia recusar o apoio a Serra, conclamar um protesto que não parece o mais adequado para quem se dispõe a liderar movimento de ideias para um outro Brasil.
Mas o apoio a Dilma tornaria Marina uma espécie de linha auxiliar do lulismo e desqualificaria toda a trajetória que a separou do atual governo e de seu antigo partido.
É por isso que não vejo Marina seguir, por critérios puramente privados, o exemplo de Lula, escondendo-se nos momentos mais difíceis. Para quem se preza como liderança renovadora, liderar não é uma prerrogativa, é um dever moral e político.
JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE, 69, é professor titular de Ciência Política e Relações Internacionais da USP.

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