domingo, outubro 17, 2010

Cientistas criticam politização do aborto

Cientistas criticam politização do aborto
Ativistas católicas que defendem direito de escolha da mulher temem que haja um retrocesso na discussão
Ana Paula Siqueira – O Globo - BRASÍLIA
 No segundo turno das eleições presidenciais, a discussão entre os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) tem sido bastante focada nos posicionamentos de cada um com relação ao aborto.
Em passado recente, Dilma já sustentou posições diferentes do que vem afirmando agora. E o tucano, que se diz contra, regulamentou a prática prevista em lei quando ministro da Saúde. Para especialistas, independentemente do posicionamento dos presidenciáveis sobre o tema, a religião não deveria nortear as decisões do país. Quem defende o direito de escolha da mulher sobre o aborto não vê com bons olhos o uso eleitoral do tema e teme um retrocesso na discussão.
O assunto se faz presente desde o primeiro turno – ao lado de questões como descriminalização das drogas e casamento homossexual – Apesar de serem comuns posturas mais contundentes em disputas de segundo turno, a religião ainda não tinha tomado conta do embate eleitoral no país.
Para a coordenadora do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, a socióloga Regina Soares Jurkewicz, a questão “está sendo usada de forma eleitoreira”. Ela afirma que as nuances fundamentais relacionadas ao aborto estão postas de lado.
– Quando se diz que não vai mexer na legislação, há uma situação injusta e equivocada.
Não passa pela discussão da autonomia da mulher – analisa. – Temos um debate sobre a opinião individual. Isso não interessa. Interessa a responsabilidade do governante sobre a questão.
Natalia Mori, do colegiado de gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), afirma que o embate eleitoral tem seus aspectos positivos, pois leva a população a pensar sobre o tema. No entanto, o tratamento dispensado, segundo ela, está longe do ideal.
– Seria muito mais positivo se fosse tratado com enfoque no impacto na vida das mulheres, como os candidatos resolveriam o problema ou o que proporiam para lidar com a realidade – defende.
Apesar do calor do debate, especialistas dizem que não cabe ao presidente da República conduzir a discussão sobre legalizar ou não o aborto. Essa função seria do Congresso Nacional, que deveria analisar, debater e votar. No entanto, grupos religiosos estariam monopolizando as diretrizes da campanha nessa questão.
– Quem tem religião tem todo o direito de votar em pessoas de acordo com seus princípios. Mas, do jeito que está colocado, há uma pressão sobre os candidatos. Não tem que se cobrar isso dos deles. Muitas igrejas e seus representantes não querem que o país seja laico, mas que se torne um Irã cristão – critica Hélio Doyle, professor de Comunicação da UnB, que classifica o embate como “retrocesso”.
Livre docente em genética pela USP e coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Thomaz Gollop afirma que o tema está no cerne discussão de forma “completamente inadequada”.
– Não é uma questão de maioria, mas de respeito à individualidade. Está se endeusando quem é o mais conservador e crucificando quem é progressista – analisa.
– Paira uma enorme desinformação, e existem grupos que estão se valendo disso para exigir determinadas posturas dos candidatos à Presidência.
O geneticista reconhece que nunca haverá consenso em relação ao tema, mas afirma que a população não tem conhecimento sobre a “ineficácia da lei vigente, que penaliza as mulheres com a prisão”.
Ele avalia que a forma como a discussão foi colocada traz desinformação sobre as reais dimensões do aborto na sociedade.
Nada será como antes Em outubro de 2007, em sabatina do jornal Folha de S. Paulo, Dilma se posicionou a favor de descriminalização do aborto. No início da campanha, a candidata defendia que o assunto fosse tratado como caso de saúde pública. No segundo turno, ela repete ser “a favor da vida”, e defende apenas o que a legislação atual prevê: a permissão para o aborto apenas em casos de estupro e risco de morte para a mãe.
Na sexta-feira, atendendo reivindicações de grupos religiosos, a candidata divulgou uma carta em que se disse “pessoalmente contra o aborto”.
Por sua vez, José Serra, que se diz contra o aborto, já chegou a afirmar que a liberação provocaria uma “carnificina”.
Quando ministro da Saúde, no entanto, regulamentou nota técnica sobre os procedimentos de aborto no Sistema Único de Saúde (SUS) em casos de estupro. Na quinta-feira, reportagem do portal Correio do Brasil acusou a esposa de Serra, Monica, de já ter praticado aborto. Serra não comentou o caso.

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