domingo, outubro 17, 2010

O discurso verde passou em branco

O discurso verde passou em branco
Questões ambientais ficaram longe da propaganda de Dilma e Serra no 1º turno
Paulo Marqueiro – O Globo
 Na tentativa de cortejar quase 20 milhões de eleitores da candidata derrotada do PV à Presidência, Marina Silva, os presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) decidiram abraçar a causa verde no segundo turno. Mas a preocupação com o meio ambiente passou ao largo da propaganda eleitoral da petista e do tucano no primeiro turno.
Dilma usou cerca de cinco minutos, dos 400 a que teve direito em seus programas de TV, para abordar o tema, o que corresponde a 1,25% do tempo. Serra gastou 2 minutos num total de 280 minutos, ou 0,71%.
O levantamento feito pelo GLOBO levou em conta qualquer menção a obras, projetos ou compromissos ligados ao meio ambiente nos 40 programas de TV de Dilma e Serra no primeiro turno (de 17 de agosto a 30 de setembro).
Nesse pálido discurso verde, o saneamento foi, de longe, o tema mais explorado. O assunto foi mencionado em 17 programas de Serra e em dez de Dilma.
Por outro lado, problemas como as queimadas na Amazônia ou as mudanças no Código Florestal, que geraram calorosos debates, ficaram fora da propaganda da petista e do tucano.
Depois de 3 de outubro, o discurso dos dois candidatos mudou.
No último dia 5, Serra disse, em São Paulo, que é um ambientalista convicto.
Quatro dias depois, em entrevista a uma rádio de Chapecó, em Santa Catarina, voltou a desfraldar a bandeira verde: — Sou ambientalista, defendo muito o patrimônio florestal.
Serra defendeu a flexibilização no projeto do Código Florestal, de modo a respeitar as características de cada região. E disse que a discussão não deveria ocorrer em ano eleitoral: — Nós vamos pegar isso ano que vem e discutir com todo mundo. E ter em mente a necessidade de preservar e ter incentivos econômicos para o desenvolvimento do país. Acho perfeitamente possível compatibilizar.
Dilma também afinou o discurso.
Na quinta-feira, tentou apagar o incêndio causado pelo fato de o governo ter realizado um seminário para discutir mudanças no Plano Amazônia Sustentável (PAS), herança da ex-ministra Marina Silva: — O meu programa de meio ambiente é o programa desenvolvido no governo nos últimos anos. É aquela base. É preciso avançar.
Agora, as bases do Plano Amazônia Sustentável, eu acho que elas estão absolutamente corretas. Até porque seria uma contradição comigo mesma. Eu ajudei a elaborar, a participar. Coordenei uma parte.
Os motivos pelos quais o meio ambiente ficou fora da propaganda dos dois candidatos são muitos. Para José Eli da Veiga, professor da USP e escritor, tanto na coligação que apoia a petista quanto na que está com o tucano, a maior parte das pessoas pensa o meio ambiente como “uma espécie de gavetinha”.
— Num debate, uma jornalista perguntou para a Marina, que falava sobre meio ambiente: “Mas e as questões maiores do Brasil?”. Para ela, o meio ambiente era menor. Ora, o meio ambiente é maior do que o Brasil. Os candidatos do PT e do PSDB não acordaram para essa questão.
Se é que vão acordar. Eles estão com uma agenda do século passado.
E esse discurso adotado agora é puramente oportunista — diz José Eli.
O cientista político e jornalista Sérgio Abranches cita três razões para o fato de a questão ambiental ter passado em branco. Em primeiro, diz ele, as pesquisas que orientam os programas eleitorais no Brasil são focadas nos problemas, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde elas são mais amplas, retratando as expectativas dos eleitores.
— Aqui é saúde, educação e emprego.
Aí as campanhas ficam todas iguais — diz Abranches.
Em segundo lugar, aponta um fato político. Segundo ele, durante a campanha, Marina começou a ser cobrada pela mídia para falar de outros assuntos, deslocando a agenda ambiental para a periferia do debate.
Por último, diz que nem Dilma nem Serra pensam a questão ambiental como ela deveria ser no século XXI: — Eles acham que o meio ambiente é um capítulo, não a espinha dorsal. E, como ele não está na lista de problemas, eles tratam muito pouco disso. A mídia também não pergunta muito, porque não está na agenda da sociedade brasileira. O Brasil está atrasado nisso. Os candidatos expressam o atraso da sociedade na qual vão buscar os votos.
Estudioso de programas eleitorais, o cientista político Emerson Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná, diz que quase 50% do tempo da propaganda são gastos para passar a imagem do candidato, ficando a parte temática reservada para a outra metade.
— A gente tem percebido que metade do programa é usada para apresentar a trajetória, a família, para mostrar pessoas falando do candidato — afirma Emerson.
Na outra metade, diz ele, a propaganda fica atrelada às pesquisas de opinião, que ressaltam os problemas de sempre: — Há quem diga que meio ambiente importa para uma sociedade pós-economia consolidada.
Se você tem problemas sociais, de educação, se você ainda tem mortes por doenças do século XIX, o meio ambiente não vai aparecer.
Para Emerson, ao adotarem um discurso verde de última hora, Dilma e Serra podem estar fazendo uma aposta errada.
Segundo ele, pelo menos dez milhões dos votos dados a Marina não estão relacionados à questão ambiental: — Não há 20 milhões de eleitores preocupados com o meio ambiente. Pelo menos 10 milhões, que migraram para ela nos últimos 15 dias de campanha, não tinham essa relação com a temática ambiental. Votaram por ela ser anti-Dilma e anti-Serra.
Na saída de uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a coordenação da campanha de Dilma, na sexta-feira, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, admitiu que houve uma cobrança ao publicitário João Santana sobre a pouca abordagem, nos programas de TV, de temas ambientais: — Com certeza, é um dos temas que vamos abordar mais no segundo turno. Tivemos uma posição ousada em Copenhague, houve diminuição do desmatamento na Amazônia no governo Lula. Temos de ter capacidade de mostrar que esse conceito sempre fez parte do nosso ideário.

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