domingo, outubro 17, 2010

Segurança para além das Olimpíadas

Segurança para além das Olimpíadas
IGNACIO CANO – O Globo
A pergunta que o mundo se faz é se o Rio poderá organizar os Jogos Olímpicos com segurança.
 A dúvida retorna dramaticamente cada vez que um episódio local de violência é divulgado na imprensa internacional. A resposta é, provavelmente, afirmativa. A receita é conhecida: planejamento, policiamento intensivo durante a celebração e projetos sociais de inclusão e participação para os mais desfavorecidos, de forma que todos os setores da cidade tenham interesse no sucesso do evento.
Entretanto, a pergunta que devemos nos fazer é se será possível aproveitar a Olimpíada para melhorar a segurança, não apenas durante os Jogos, mas antes e, sobretudo, depois de 2016. O desafio é aproveitar o evento para transformar a realidade, deixando como grande legado uma cidade mais segura para todos, em contraposição ao pífio legado do Pan 2007.
No momento atual, as UPPs representam um grande avanço em relação à política tradicional de invasões cíclicas das favelas. Não é a primeira vez que o Rio experimenta um modelo semelhante, mas nunca um governo investiu tantos recursos materiais e simbólicos nessa direção. O mesmo governo que em 2007 deflagrou megaoperações policiais, como a do Complexo do Alemão, com numerosas vítimas, aposta agora na expansão da pacificação. Há três razões para a virada: a divulgação de “erros policiais” que vitimaram pessoas inocentes; a posição do governo federal em defesa de uma política de prevenção encarnada no Pronasci e os financiamentos atrelados a ele; e a mudança no cenário internacional. Nesse sentido, as Olimpíadas já deram a primeira contribuição na consolidação do novo paradigma, pois não é possível o governo do Rio se apresentar no meio de uma guerra e, ao mesmo tempo, convidar o mundo inteiro para participar dos Jogos num campo de batalha.
Embora as UPPs tenham mostrado um sucesso notável em diminuir os tiroteios e o controle dos grupos irregulares, a proporção de favelas incluídas é ainda muito pequena e a expansão é lenta, inclusive por estar atrelada à formação de novos policiais. As UPPs estão localizadas primordialmente na Zona Sul e em alguns outros locais emblemáticos.
A Zona Oeste e a Baixada, regiões muito violentas, continuam preteridas.
O governo pretende também concentrar investimentos sociais nas áreas de UPPs. Por um lado, trata-se de um objetivo bem-vindo, na medida em que o déficit de segurança sempre esteve associado a um déficit social. Mas o risco do cenário atual é dividir a cidade entre áreas que concentram UPPs e investimento social preferencial, por um lado, e o resto das comunidades abandonado à sua sorte, por outro, incrementando a desigualdade.
Além da expansão das UPPs, precisamos de uma política complementar para as áreas e para os policiais que não fazem parte delas. É urgente abordar a reforma policial, com aumento salarial em troca de dedicação exclusiva e da exigência de terceiro grau, fortalecimento da fiscalização e das corregedorias, e metas de redução da letalidade policial, que continua elevada.
Considerando o seu limitado alcance territorial, não cabe esperar que o efeito local das UPPs reduza rapidamente os índices gerais de violência. Isso só poderia acontecer se as UPPs atingissem um efeito sistêmico, seja na cultura policial (ajudando a acabar com a doutrina que estimula o confronto armado), seja nos grupos criminosos (induzindo-os a adotar estratégias menos violentas, como o tráfico sem armas, presente em algumas áreas de UPP).
Sem dúvida, há elementos que convidam ao otimismo, como a redução da pobreza e da desigualdade e a diminuição recente da taxa de homicídios no Brasil. Entretanto, ainda existe o risco de que tudo fique restrito à pacificação temporal de algumas áreas para, uma vez esgotados os recursos da Olimpíada, voltarmos ao inferno de sempre em 2017.
O grande vilão da violência no Rio de Janeiro é a modalidade de crime baseada no controle territorial dos pontos de venda de drogas e a subsequente disputa armada pelo espaço, bem como a truculência da resposta estatal. Se o tráfico de drogas se der sem controle geográfico e sem uma estratégia sistemática de violência armada (etnografias em São Paulo revelam que a maior facção de traficantes local dispensou as armas em várias “bocas de fumo”), e se a polícia reprimir o tráfico da mesma forma que reprime as milícias, através de investigação e inteligência, o objetivo é possível. O Rio é universalmente famoso como símbolo de beleza e de violência. O verdadeiro sonho olímpico é ficar apenas com a primeira.
IGNACIO CANO é membro do Laboratório de Análise da Violência da Uerj.

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