domingo, outubro 17, 2010

Dia das Mães

Dia das Mães
ARTUR XEXÉO – O Globo - Revista
Hoje é Dia das Mães na Argentina. Não fico catando calendários pelo mundo, mas quis o destino que uma revista argentina caísse nas minhas mãos esta semana. E, em meio a notícias locais, descubro que hoje é “dia de las madres” no país vizinho. O noticiário se divide entre a chiquitita que morreu de anorexia, o costume de Cristina Kirchner de mandar recados políticos pelo Twitter e o hábito dos brasileiros de não deixarem gorjeta nos restaurantes (eles se fingem de distraídos, reclamam os donos dos estabelecimentos). Os anúncios, quase todos, lembram que 17 de outubro é o Dia das Mães. Não sei como eles chegaram à data. Hoje é o terceiro domingo de outubro, o que me faz acreditar que eles não celebram tal dia no segundo domingo do mês, como fazemos em maio. De qualquer forma, em qualquer lugar do mundo, o Dia das Mães é sempre domingo. Será que todo domingo do ano é Dia das Mães em algum país? Será que minha mãe não quer que, aos domingos, eu sempre me lembre dela? Minha mãe tinha características muito peculiares.
Ela estava sempre comprando um sítio, por exemplo. Mais tarde, geralmente motivada por dívidas de jogo — ela gostava de um carteado —, precisava vendê-lo. Mas, enquanto tinha o sítio, era, definitivamente, uma mulher do campo. Plantava, colhia, fazia artesanato com madeira e não gostava de críticas a seus espaços campestres.
— Mãe, tem muita aranha por aqui.
— Aranha é bom, meu filho. Ela come as moscas.
— Mãe, esses cachorros tão muito maleducados.
Tem cocô no gramado.
— Cocô de cachorro é bom, meu filho.
Afasta os mosquitos.
— Mas atraem as moscas.
— Ah, por isso tem tanta aranha por aqui. A natureza é sábia.
E, assim, nós, o resto da família, citadinos irrecuperáveis, íamos convivendo com aranhas, moscas, mosquitos e cocô de cachorro.
Sem reclamar.
Sempre teve, em alguma parede lá de casa, um quadrinho com os dizeres “O mundo todo não vale o meu lar”. Tenho certeza de que, na verdade, o lar organizado por minha mãe é que não valia para o mundo todo. Ela era baixinha e, por conta disso, as proporções lá de casa sempre foram diferentes das do resto do planeta. A pia do banheiro, por exemplo, que para ela estava instalada numa altura normal, batia um pouco acima do joelho do resto da família. Sempre tive vergonha quando amigos iam ao banheiro e saíam de lá com as calças molhadas. Mas ninguém tinha coragem de dizer para ela que a pia era muito baixa.
Fumava muito, o que não significava que houvesse muitos cinzeiros lá em casa. Os cigarros eram abandonados em pontas de mesa, braços de cadeiras, cabeceiras de camas... Com o tempo, as marcas de queimado espalhavam-se pela casa. Ela não dava o braço a torcer.
— É a marca do Zorro — brincava.
Sempre achei que ela deveria ser estudada pela Medicina. Tinha uma capacidade de calcificação inacreditável. Volta e meia quebrava um braço ou uma perna. Uma semana depois, estava usando agulhas de tricô para se coçar em locais que o gesso não permitia. Mais uma semana, começava a usar uma tesoura para diminuir o gesso e, pronto, em alguns minutos arrancava tudo. E não se falava mais nisso.
Você deve estar se perguntando por que cargas d’água estou falando de minha mãe. Sei lá. Hoje é Dia das Mães na Argentina. Pela lógica da minha mãe, não duvido nada de que ela esteja esperando uma homenagem.
Email: axexeo@oglobo.com.br

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