sábado, setembro 11, 2010

Imigração e xenofobia

Imigração e xenofobia
09/09/2010 – Opinião - FLÁVIA PIOVESAN
No México, recente massacre vitimou 72 imigrantes estrangeiros que buscavam ingressar nos EUA pela fronteira daquele país, incluindo ao menos 2 brasileiros. Nos EUA, controvertida lei do Estado do Arizona combate a imigração ilegal para proteger os “cidadãos do Arizona”, na voz da defensora da medida, a governadora republicana Jan Brewer. Na França, avança a repatriação de ciganos de origem estrangeira com o recrudescimento de política contra a imigração ilegal. Até o final de agosto, 1000 romenos e búlgaros já haviam retornado aos seus países de origem.
Além da França, a Espanha, a Itália, a Grã Bretanha e a República Checa criaram programas de ajuda financeira para beneficiar aqueles que prometem regressar a seus países de origem, sob a garantia de não retorno no período de 5 anos. Destacamse ainda políticas xenófobas adotadas por Berlusconi na Itália (por exemplo, a demandar dos profissionais de saúde que denunciem os imigrantes ilegais e a propor a segregação na educação, com escolas para italianos e para estrangeiros); práticas discriminatórias em face de estrangeiros na Espanha (basta mencionar os casos envolvendo discriminação e hostilidades em face de brasileiros nos aeroportos espanhóis); recentes manifestações na Inglaterra clamando por “british work for british workers” (trabalho na Inglaterra para trabalhadores ingleses); dentre outros.
Para o relator especial da ONU sobre o tema do racismo, o crescimento da discriminação racial e da xenofobia é confirmado por dois fatores interligados: sua “normalização política” e sua “legitimação intelectual”.
Plataformas racistas e xenófobas têm penetrado na agenda política de partidos a pretexto de combater o terrorismo, defender a identidade nacional e combater a imigração ilegal. Isto tem fomentado uma aceitação generalizada de práticas xenófobas, inspiradas na defesa, proteção e conservação da identidade nacional e na ameaça representada pelo multiculturalismo, com a violação de direitos dos não nacionais e das minorias étnicas, culturais e religiosas. Gradativamente, o sistema jurídico, a ordem pública, a educação e o mercado de trabalho passam a ser impregnados por ideologias racistas e xenófobas, culminando no fortalecimento de grupos neonazistas.
A discriminação que tem como alvo prioritário o não nacional tem sido tema de especial preocupação de organizações internacionais. O Comitê de Direitos Humanos da ONU realça que não pode haver discriminação entre estrangeiros e nacionais no que se refere ao exercício dos direitos humanos. No mesmo sentido, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial prevê recomendações específicas aos Estados no sentido de eliminar a discriminação de não nacionais.
A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias, adotada pela ONU em 1990, contava em março de 2010 somente com 42 estados-partes. Nenhum dos países da América do Norte e da Europa até o momento a ratificou.
A maior inovação da convenção é enfocar a problemática da imigração sob a perspectiva dos direitos humanos, fixando parâmetros protetivos mínimos a serem aplicados pelos estados-partes aos trabalhadores migrantes e aos membros de suas famílias, independentemente de seu status migratório, considerando a situação de vulnerabilidade em que se encontram.
As mais graves violações de direitos humanos radicam-se na dicotomia do “eu” versus o “outro” — em que o “outro”, por ser diferente, é considerado como um ser inferior e menor em dignidade e direitos, ou, em situações limites, um ser esvaziado mesmo de qualquer dignidade, desumanizado, descartável, supérfluo, objeto de compra e venda (como na escravidão) ou de campos de extermínio (como no nazismo). A diversidade é captada como elemento para aniquilar e destruir direitos, como revelam a escravidão, o nazismo, o sexismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia e outras práticas de intolerância.
Na ética dos direitos humanos, ao revés, o idioma é do respeito à alteridade, sendo a diversidade um valor a enriquecer a precária e transitória existência humana.
Em uma ordem contemporânea marcada pelo crescente fenômeno da xenofobia e do nacionalismo, mais caracterizada pela construção de muros e não de pontes, ergue-se a advertência histórica da casa-museu de Anne Frank, em Amsterdã, vítima cujo diário faz ecoar as atrocidades do nazismo: “O nacionalismo extremo é a pior forma de racismo.”
O combate ao terrorismo tem servido de pretexto para plataformas racistas
FLÁVIA PIOVESAN é professora de Direito da PUC/SP.

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