sábado, setembro 11, 2010

Planos para o Alcorão iniciaram um fogo que se espalhou sem ter queimado

Planos para o Alcorão iniciaram um fogo que se espalhou sem ter queimado

Brian Stelter – The New York Times

Estudantes muçulmanas protestam contra o plano do pastor americano Terry Jones de queimar o Alcorão

Um pastor renegado e sua minúscula congregação colocaram fogo em um Alcorão em uma esquina e fizeram questão de registrar o fato em vídeo. Mas foram ignorados.
Isso ocorreu em 2008, envolvendo membros da Igreja Batista de Westboro, em Topeka, Kansas, um grupo quase universalmente condenado de fundamentalistas que também protestam em funerais militares.
Mas os planos para um ato semelhante por outro pastor à margem, Terry Jones, atraiu atenção da mídia mundial neste ano, atenção cujo pico ocorreu na quinta-feira, quando ele anunciou que estava cancelando – e posteriormente de que tinha apenas “suspendido”– o que ele chamou de Dia Internacional de Queima do Alcorão. Ele estava marcado para sábado, o 9º aniversário dos ataques terroristas do 11 de Setembro.
Diferente da queima do Alcorão pelos batistas de Westboro, o evento planejado por Jones em Gainesville, Flórida, coincidiu com a controvérsia em torno da proposta de construção de um centro comunitário muçulmano na Baixa Manhattan, próximo do Ponto Zero, e de um debate acirrado durante todo o verão americano a respeito da liberdade de expressão e religião.
Jones conseguiu se colocar no centro destas questões, ao utilizar a calmaria de notícias de verão e a demanda por um ciclo de notícias de 24 horas para promover sua causa anti-Islã. Ele disse ter concedido mais de 150 entrevistas em julho e agosto, em todas as ocasiões expressando suas visões extremistas a respeito do Islã e da lei Shariah.
No meio desta semana, a queima planejada do Alcorão era a principal história em alguns noticiários de redes de televisão, e o assunto Nº1 nos canais de notícias da TV por assinatura – uma quantidade extraordinária de atenção para uma figura marginal com um número muito pequeno de seguidores. Na manhã de quinta-feira, o presidente Barack Obama condenou o plano de queima do Alcorão, e seu secretário de imprensa, Robert Gibbs, disse que havia “mais pessoas em suas coletivas de imprensa do que ouvindo seus sermões”, em uma espécie de crítica à imprensa.
O plano de Jones, que ele anunciou em julho, ganhou lentamente atenção em agosto, particularmente no exterior. Ele se transformou na principal história nos Estados Unidos após protestos contra Jones no Afeganistão e após o comandante das forças americanas e da Otan no Afeganistão, o general David H. Petraeus, ter alertado que a queima do Alcorão poderia colocar em risco as tropas.
“Antes de ocorrerem protestos e chefes de Estado falarem a respeito dele, a história poderia se resumir a uns dois parágrafos em meio a uma história sobre o aniversário do 11 de Setembro”, disse Kathleen Carroll, editora executiva da agência de notícias “The Associated Press”, na quinta-feira. “Está além disso agora.”
De certa forma, os eventos desta semana foram a culminação de um ano de declarações de ódio e atividades para chamar a atenção por Jones e meia dúzia de membros de sua igreja.
Jones começou a fazer estardalhaço em Gainesville em meados de 2009, quando colocou uma placa do lado de fora de sua igreja que dizia: “O Islã é o diabo”. O “Gainesville Sun” (que é de propriedade da The New York Times Company) escreveu sobre a placa, sob a manchete “Placa de igreja anti-Islã provoca ultraje na comunidade”.
Ele disse ao “Sun” que a placa não seria sua última manifestação.
O jornal logo publicou uma investigação a respeito do que chamou de “abusos financeiros” da igreja, incluindo um negócio de venda de móveis no site eBay com fins lucrativos, atuando na propriedade da igreja.
Os protestos da congregação prosseguiram no final do ano passado, quando algumas das crianças da igreja vestiram camisetas anti-Islã na escola, provocando outro artigo no “Sun”, que foi pego pela “Associated Press” e republicado por veículos como o “USA Today” e a “Al-Arabiya”, uma rede de notícias de língua árabe.
Pessoas com as mesmas camisetas anti-Islã começaram a circular pelo campus da Universidade da Flórida em Gainesville, disse Fiona McLaughlin, uma professora da universidade, provocando um contraprotesto com camisetas que diziam: “A ignorância é o diabo”.
A igreja “não mais descansou desde aquela primeira placa”, disse Jacki Levine, a editora do “Sun”. Ela disse que a direção do jornal discutiu repetidas vezes como ser “responsável” em sua cobertura –“Nós caminhamos com o máximo de cuidado que pudemos”.
O Islã não foi o único alvo de Jones. Membros da igreja também realizaram protestos contra Craig Lowe, um gay assumido que foi eleito prefeito de Gainesville em abril.
O anúncio por Jones da queima do Alcorão inicialmente ganhou pouca atenção, com um único artigo curto publicado por um site chamado “Religion News Service”. Esse artigo foi posteriormente mencionado por sites maiores, como o “Yahoo”, e no final do mês Jones já ocupava espaço na “CNN”, onde o apresentador Rick Sanchez chamou seu plano de “louco”, mas acrescentou: “Ao menos ele tem coragem de promover este show e confronto”.
Alarmado com as menções negativas em artigos em jornais no exterior, Lowe, o prefeito de Gainesville, divulgou uma declaração em 3 de agosto rotulando a igreja de Jones de “um minúsculo grupo marginal e um embaraço para nossa comunidade”.
Os executivos de notícias disseram que a queima proposta ganhou maior relevância após os protestos no Afeganistão e em outros países muçulmanos. Em Cabul, no domingo passado, mais de 500 pessoas participaram de um protesto no qual uma imagem de Jones foi queimada, segundo a “Associated Press”.
Também foi quando chamou a atenção de McLaughlin. Juntamente com 11 outros professores, ela escreveu uma coluna para o “Sun” condenando o plano, intitulada “O mundo está olhando”.
“Nós acompanhamos a escalada de tudo”, ela disse na quinta-feira, citando o “efeito de soma” de toda a cobertura e reações resultantes. (O “New York Times” escreveu um artigo substancial a respeito de Jones em 26 de agosto.)
Antes de Jones ter suspendido seus planos, a “AP” determinou que não distribuiria fotos dos Alcorões sendo queimados, reafirmando uma política de não cobrir eventos “fabricados gratuitamente para provocar e ofender”.
“Há muitas outras imagens igualmente ofensivas que constantemente optamos por não veicular”, disse Carroll. “A maioria das pessoas desconhece isso, é claro, porque não as veiculamos.”
Antes da suspensão, “CNN” e o “Fox News Channel” disseram que não exibiriam nenhuma imagem dos Alcorões sendo queimados.
Bill Keller, o editor-executivo do “New York Times”, disse em uma mensagem por e-mail que o jornal “não tem uma política contra a publicação de coisas que possam ofender alguém –muitas pessoas se sentem ofendidas por muitas coisas– mas tentamos evitar disseminar ofensas, a menos que haja algum propósito jornalístico compensador”.
“A imagem de um livro sendo queimado não contribui com nada substancial para uma história a respeito da queima de livros, de forma que a ofensa parece totalmente gratuita”, prosseguiu Keller. “A liberdade de publicar inclui a liberdade de não publicar.”
O episódio ao menos provocou um pouco de autoanálise dentro das organizações de notícias.
Chris Cuomo, um âncora da “ABC News”, escreveu na tarde de quinta-feira no Twitter: “Eu faço parte da mídia, mas acho que a mídia deu vida a esta queima na Flórida (...) e isso foi incauto”.
Damien Cave contribuiu com reportagem.

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