terça-feira, setembro 14, 2010
Luís Roberto Barroso: “Não devemos aceitar esse fato”
Luís Roberto Barroso: “Não devemos aceitar esse fato”
Para o professor de Direito Constitucional, nada justifica descumprir a ordem judicial
Martha Mendonça, com Cristiane Segatto - Época
Professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e especialista na área de Saúde Pública, Luís Roberto Barroso diz que o descumprimento de uma decisão judicial não deve ser visto com naturalidade e que a descentralização do SUS não isenta a União de responsabilidade nos casos de tratamentos excepcionais.
ÉPOCA – O que o caso de Fabinho diz sobre a saúde no Brasil?
Luís Roberto Barroso – Em primeiro lugar, ele diz sobre a Justiça. O descumprimento de uma decisão judicial é sempre um fato lamentável em uma democracia e não deve ser aceito com naturalidade. Sobre a saúde, ele diz o que todos sabemos: ainda não há saúde para todos no país, especialmente para os que não podem pagar um plano privado.
ÉPOCA – Que instância, em sua visão, nesse caso específico, teria a responsabilidade pelo fornecimento do equipamento?
Barroso – Segundo a decisão judicial, era o município. A meu ver, há um problema nessas condenações solidárias (conjuntas) da União, do Estado e do município: é que, sendo obrigação dos três, acaba não sendo de ninguém. Era preciso que ficasse claro, desde o primeiro momento, de quem é a responsabilidade. Até porque, admitindo-se a ação contra os três, há uma multiplicação desnecessária de esforços: três defesas, três máquinas que precisam se movimentar. Isso custa dinheiro e tempo.
ÉPOCA – Por causa da descentralização que vem a reboque do SUS, a União fica, de algum modo, isenta de responsabilidade, como alegou?
Barroso – Embora a execução dos serviços de saúde caiba, como regra, aos municípios, a União tem um papel essencial na coordenação e no financiamento desses serviços – especialmente nos tratamentos excepcionais e de alto custo. Nesses casos, acho que, havendo condenação, a principal responsabilidade deve ser da União. É quem tem a chave do cofre.
ÉPOCA – O Brasil acertou em incluir o direito à saúde na Constituição?
Barroso – Sim. Em um país no qual 75% da população não tem plano de saúde, se esta não for uma obrigação constitucional do Estado, deixa de ser atendida uma das necessidades mais básicas do povo. Mas o orçamento é finito e a alocação de recursos envolve escolhas trágicas, inclusive a de quem vai viver e de quem vai morrer.
ÉPOCA – Qual deve ser a abrangência de medicamentos e tratamentos da rede pública?
Barroso – O ideal, naturalmente, seriam o acesso universal (a todos os que precisam) e o atendimento integral (para tudo o que precisam). Infelizmente, não é assim em lugar nenhum do mundo. A sociedade brasileira, associações de hospitais, médicos, enfermeiros deveriam participar, no segundo semestre de cada ano, do processo de escolha de prioridades e de alocação dos recursos disponíveis.
ÉPOCA – Quais são as consequências da judicialização da saúde?
Barroso – A face negativa da judicialização é que ela revela uma patologia: se alguém precisa ir à Justiça para fazer valer seu direito, é sinal de que ele não foi reconhecido espontaneamente. A face positiva é que, em caso de descumprimento do direito, há uma instituição capaz de impô-lo. Mas muitas situações geram controvérsias. Por vezes, tratamentos experimentais, ou no exterior, ou caríssimos, desviam recursos que deveriam acudir outras situações e, talvez, um maior número de pessoas. Nesses casos, não há solução juridicamente fácil nem moralmente barata. A vida é feita de escolhas, e isso vale, também, para as políticas públicas.
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