terça-feira, setembro 14, 2010

Lula para todos os gostos

Lula para todos os gostos
Por Villas-Bôas Corrêa
A frase nada tem de original e se encaixa no consenso da virtual unanimidade da população. Mas, repetida pelo presidente mais popular da história deste país e com endereço para a roubalheira, em Brasília, no governo do reincidente Joaquim Roriz, mais uma vez candidato “ficha-suja”, merecia espaço na primeira página dos jornais e matéria nas revistas semanais. São poucas palavras que soam como o estalo lusitano de uma bofetada no rosto: “A pouca vergonha tomou conta da política”.
Palmas da plateia. Mas, que duram pouco, abafadas por outras notícias que as desmentem. E que não se justificam. Lula deveria estar curtindo a melhor fase dos seus dois mandatos, com a vitória da sua candidata Dilma Rousseff, com a eleição virtualmente garantida por esmagadora maioria. Talvez a exaustão da campanha, com todas as multas por desrespeito à legislação eleitoral, expliquem o raro instantâneo da frase irretocável.
Que a pouca vergonha tomou conta da política, basta assistir na televisão aos programas de propaganda eleitoral, com os desfiles de candidatos, com raríssimas exceções que confirmam a regra e justificam o receio de um próximo Congresso pior do que o que bateu os recordes mundiais de madraçaria, com a semana de dois a três dias úteis para não fazer nada e a fuzarca das vantagens, regalias de um dos melhores empregos do mundo. Já não é possível acompanhar o quanto um senador ou deputado federal consegue sacar por mês do cofre da Viúva. E o próximo Congresso baterá o recorde no próximo ano.
Lula mira em sua irritação o candidato José Serra, da oposição, com índices cadentes nas pesquisas eleitorais. E que tem todos os motivos para indignar-se com o envolvimento da sua filha Verônica que teve quebrado o seu sigilo fiscal.
Todo o episódio é de fazer corar quem não perdeu a capacidade de se indignar. E vem sendo tratado pelo presidente e pelo PT com leviandade indefensável. O presidente referiu-se ao candidato da oposição com expressões chulas como “o bicho anda nervoso”. Ou ao ironizar a quebra do sigilo bancário da filha de José Serra, com a pergunta: “Cadê o tal sigilo que ninguém viu?”. Ou que só presidente não viu.
O bate-boca entre o presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff de um lado e o candidato José Serra da outra banda está abafando o que deveria ser o tema desta campanha, que é a crise política que se agrava a cada eleição e na próxima deve bater todos os recordes. Não será possível tolerar a desmoralização do Congresso, que irá ao fundo da cisterna nas eleições do primeiro turno, em 3 de outubro. A eleição presidencial, com Dilma favorita ou Serra, será desafiada pelo descalabro do Congresso que arranha a porta antes de arrombá-la. Não há saída com os candidatos que se desnudam no bestialógico do horário eleitoral. E que serão a maioria na Câmara, com poucas esperanças na renovação do Senado.
E como enfrentar os desafios que já não podem ser adiados: o inchaço de Brasília, a capital com 3 milhões de habitantes, mais da metade de favelados? E a faxina no Congresso, que será o pior de todos os tempos?
Na medida em que a democracia expõe a sua incapacidade, o futuro se esconde no nevoeiro das suas contradições.

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