terça-feira, setembro 14, 2010

Morte ambiental anunciada

Morte ambiental anunciada
Luiz Fernando Janot - 11/09/2010 – Opinião – O Globo
Os planos de expansão das grandes cidades brasileiras dificilmente conseguem evitar o impacto negativo causado no meio ambiente pelas formas predatórias de ocupação do solo. As causas e os efeitos da ocupação irregular das encostas e margens de rios, assim como as intervenções no espaço urbano decorrentes da especulação imobiliária, devem ser apreciados com isenção ideológica por parte dos governantes, políticos, profissionais e pessoas envolvidas com o desenvolvimento sustentável da cidade.
A adequação urbana do Rio para receber as Olimpíadas em 2016 oferece uma oportunidade excepcional para essa reflexão. A inexistência de políticas de governo em defesa das áreas de interesse ambiental possibilitou, ao longo dos anos, que importantes áreas verdes da cidade fossem ocupadas indiscriminadamente por segmentos d a p o p u l a ç ã o q u e não possuíam recursos para adquirir a sua moradia no mercado oficial regulamentado. Em paralelo, setores do mercado imobiliário se utilizavam de um marketing ardiloso para justificar os seus empreendimentos apenas pelo viés econômico e financeiro, desprezando as questões mínimas de sustentabilidade.
A região da Barra da Tijuca, de uns anos para cá, se constituiu no cenário ideal para essa acintosa improbidade.
Hoje, as pessoas que circulam pelas proximidades das lagoas da Barra irão se espantar com o estado deplorável em que elas se encontram. O insuportável cheiro de podre exalado da sua superfície confirma a premissa de que estamos diante de uma morte ambiental anunciada. E como fazer para reverter o que aparentemente é irreversível? Responder esta questão, além de ser um desafio estimulante, é uma obrigação do poder público e, também, dos cidadãos que desfrutam dos valiosos bens que a cidade lhes oferece.
Nessa ótica de percepção, despontam os arautos do preconceito querendo nos fazer acreditar que o esgoto in natura despejado nas lagoas e canais seria de origem, única e exclusiva, das favelas. Esquecem, no entanto, de acrescentar a enorme quantidade de dejetos sanitários lançados nas lagoas pelos grandes condomínios residenciais e comerciais que não operam as suas estações de tratamento de esgoto com a eficiência exigida. Uma pesquisa recente indicou que as lagoas da Barra da Tijuca possuem, em média, apenas trinta ou quarenta centímetros de profundidade.
A camada lodosa depositada no fundo, além da redução do espelho d’água, vem contribuindo para a desoxigenação das lagoas, a proliferação de algas e a extinção de espécies diversificadas da fauna marinha. Soma-se a isso o odor desagradável exalado das suas águas poluídas e das plantas flutuantes que, associado ao expressivo aumento de focos de mosquito, impede a população de desfrutar um convívio prazeroso no seu entorno, como acontece na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul da cidade.
Acrescenta-se a esse quadro a quantidade espantosa de resíduos poluentes que se acumulam nas margens das lagoas e que revelam a falta de consciência ecológica da população.
Ao atribuir exclusivamente ao governo a obrigação de cuidar dos espaços públicos, a sociedade se exime da responsabilidade de conservar adequadamente o patrimônio ambiental da sua cidade. Portanto, se não houver um compromisso social de parceria e solidariedade com as autoridades governamentais, dificilmente será alcançado um resultado eficaz na preservação dos bens naturais que pertencem à cidade.
É bom lembrar que, já no tempo do Império, existiam redes de esgoto para evitar que os dejetos sanitários fossem atirados em valas abertas nas ruas ou transportados por escravos para serem despejados na Baía de Guanabara. Buscava-se, naquela época, evitar as “valas negras” que hoje, para nossa perplexidade, ainda existem nas comunidades faveladas e em algumas áreas de expansão urbana da cidade. Podemos citar como exemplo alguns trechos do Recreio dos Bandeirantes e das áreas alagadiças das Vargens, onde o excedente das fossas sépticas é despejado diretamente nos canais de drenagem de águas pluviais que deságuam nas lagoas da redondeza.
Com a abertura, em breve, do túnel da Grota Funda, tudo leva a crer que veremos esse quadro poluente se espalhar por toda a região de Guaratiba.
É lamentável afirmar que, enquanto prevalecer esse modelo extensivo de expansão urbana, seremos obrigados a conviver com os graves problemas apontados de saneamento básico e de preservação do meio ambiente. Não há como continuar aceitando argumentos tendenciosos para justificar uma expansão territorial urbana que favorece unicamente a especulação imobiliária. Neste importante momento em que projetos de diversas naturezas estão sendo elaborados para o Rio, espera-se que o poder público e a sociedade organizada se unam em torno de um objetivo comum em defesa do meio ambiente e dos interesses maiores da sociedade.
A adequação do Rio para os Jogos de 2016 não pode esquecer o interesse ambiental
LUIZ FERNANDO JANOT é arquiteto urbanista e professor da FAU-UFRJ. E-mail; lfjanot@superig.com.br

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