terça-feira, setembro 14, 2010
Santo de bordel
Santo de bordel
JORGE BASTOS MORENO – O Globo
Conheci Ulysses Guimarães numa coletiva de imprensa, logo no meu primeiro dia no Congresso. No dia seguinte, eu estava frente a frente com ele em seu gabinete de presidente nacional do MDB.
O assunto que me levara a ele era a votação de uma matéria técnica qualquer, sobre a qual o comando do partido orientara a bancada a votar contra. Mas alguns "adesistas" queriam votar com a ditadura. E o velho, batendo na mesa, esbravejou:
— O programa do partido não pode ser feito santo de bordel.
E eu, timidamente:
— Santo de bordel?
Ulysses responde:
— O amigo não sabe o que é santo de bordel?
— Não sei não, senhor!
E aquele rosto carrancudo insinua um sorriso malicioso, olha para os lados para ter a certeza de que estávamos só os dois na sala e me pergunta baixinho:
— O amigo nunca esteve num bordel?
E eu, que até pouco tempo atrás era coroinha da Catedral Metropolitana de Cuiabá, não acreditando que o homem que enfrentava a ditadura militar estava ali me torturando, invadindo a minha intimidade. Para ter certeza, perguntei:
— Como?
E ele, insistindo:
— Bordel, zona, cabaré ou, como diz o meu amigo Jânio Quadros, lupanar! Você nunca esteve nesses lugares?
— Já sim, senhor!
— O amigo nunca reparou que, depois de prestar todos os serviços para os quais foi contratada, a prostituta guarda o dinheiro numa gaveta e acende uma vela para um santo que está sempre à cabeceira?
Eu, já mais tranquilo:
— Nunca reparei.
— Mas comece a reparar. São os chamados santos de bordel, assistem a tudo calados e, como recompensa, ganham uma vela.
E aí, retomando a sua clássica autoridade, mira os olhos em mim e bate novamente na mesa:
— Pois o programa do MDB não é santo de bordel!
Saí do gabinete pensando: se um dia eu tiver que escrever um livro sobre tudo isso aqui, já tenho um título: "Santo de bordel".
Mal sabia o dr. Ulysses que um dia o seu partido não seria mais nem o santo, mas a dona do bordel.
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