domingo, outubro 10, 2010
Câmbio como arma protecionista
Câmbio como arma protecionista
Arsenal de ricos inclui juro baixo e intervenções para forçar divisa competitiva. China é maior alvo
Martha Beck e Vivian Oswald – BRASÍLIA – O Globo
A invasão chinesa nos mercados de todo o planeta e a dificuldade do mundo desenvolvido de se reerguer depois da crise dispararam uma guerra cambial que abre caminho para uma nova onda de protecionismo global, alertam governos e especialistas. O “derretimento” do dólar por toda parte acendeu a luz vermelha em vários países e alçou os Estados Unidos, com endosso de seu Congresso, ao comando da batalha contra a China, que insiste em manter sua moeda, o yuan, desvalorizada artificialmente, tornando suas mercadorias simplesmente imbatíveis. Aos poucos, os americanos vêm ganhando apoio do Japão e da União Europeia (UE) na ofensiva.
Na semana passada, o euro bateu o oitavo mês consecutivo de alta contra o dólar. Levantamento feito pela Austin Rating a pedido do GLOBO indica que, dos 130 países analisados, 52 tiveram suas moedas valorizadas em relação ao dólar desde setembro de 2009 até agora.
— Certamente existe um risco de alguns países, como o meu, se aborrecerem com outras nações, como a China, no que diz respeito a políticas cambiais, usando sanções comerciais para pressioná-los e, assim, perturbar o comércio internacional — disse o economista e professor da Universidade da Califórnia Barry Eichengrenn, lembrando que, por enquanto, os sinais mais fortes vêm da China e dos EUA.
Com mercados internos desaquecidos, todos querem garantir competitividade a seus produtos no exterior, o que se tornou um trabalho difícil devido à ação do governo chinês. A principal arma até agora no arsenal das nações ricas é a desvalorização de suas moedas ou uma política de juros virtualmente zero — o que espanta capital e faz a moeda local perder valor. Mas barreiras comerciais começam a ser ensaiadas, uma vez que a artilharia até agora se mostra inócua.
EUA já falam em retaliar chineses
Japão, nem mesmo cortar os juros a zero ou intervir no mercado de câmbio com 2,2 trilhões de ienes (US$ 26 bilhões) foi suficiente para conter a cotação recorde dos últimos 15 anos da moeda local. Por isso, surgiram os primeiros sinais de que a guerra já afeta o comércio internacional. Os europeus já orientam seus empresários sobre como se defender de futuras acusações de protecionismo.
Num passo ainda mais ousado, os Estados Unidos já falam concretamente em retaliação comercial. A Câmara americana acaba de aprovar uma lei permitindo que o governo aplique uma sobretaxa sobre a entrada de produtos chineses, sob o argumento de que o câmbio artificialmente desvalorizado do país seria uma forma de subsídio.
A UE já percebeu que a nova onda de protecionismo pós-crise tende a se intensificar pelo mundo e se prepara para a briga. A Comissão Europeia acaba de publicar um manual para ajudar os exportadores afetados por investigações de defesa comercial no exterior — antidumping, antissubsídios e salvaguardas.
O guia já está disponível nos 20 idiomas oficiais do bloco para que os 27 países possam municiar rapidamente a sua indústria. De acordo com a comissão, o manual foi feito em função “do crescente uso de instrumentos de defesa comercial desde o início da crise econômica global”.
O comissário de Comércio da UE, Karel de Gucht, declarou-se confiante no fato de que “este manual vai se tornar uma ferramenta importante para os comerciantes da UE, na medida em que poderão responder a um número crescente de investigações de defesa comercial de terceiros países”.
Economistas ouvidos pelo GLOBO afirmam, no entanto, que essa guerra não terá vencedores e que a tentativa de retaliar a China pode ser um tiro no pé. Barry Eichengrenn afirma: — A pressão dos Estados Unidos pode sair pela culatra. O governo chinês não gosta de ser visto como flexível à pressão americana. Em vez de dar mais flexibilidade ao câmbio, eles podem endurecer sua postura e aplicar sanções contra os produtos americanos, como fizeram recentemente com o frango. Seria mais prudente continuar a confiar na diplomacia.
Por essa razão, a Alemanha acenou aos chineses na semana passada com a possibilidade de convencer os outros 26 países da UE a reconhecerem a China como economia de mercado.
Esta parece ter sido a moeda de barganha escolhida pelo maior exportador do mundo para dobrar a China.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, lembra que os EUA transferiram boa parte de sua produção para a China em função da mão de obra barata. Diante disso, fechar as portas agora seria um risco para o abastecimento do próprio mercado americano: — Não podemos voltar à idade da pedra, de economias fechadas.
O secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, admite que o Brasil está acompanhando de perto e estudando o projeto de lei do governo americano: — Existe uma preocupação do governo brasileiro principalmente com a manipulação do câmbio. Isso tem impacto não apenas nas importações como também na disputa por terceiros mercados. O Brasil tem perdido competitividade para os produtos chineses e sul-coreanos nos países latino-americanos.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário