domingo, outubro 10, 2010
Lula é um mito, mas mitos e muros são derrubados, diz Itamar Franco
Lula é um mito, mas mitos e muros são derrubados, diz Itamar Franco
ELIANE CANTANHÊDE - COLUNISTA DA FOLHA - 10/10/2010 - 08h46min
Um dos articuladores do voto "Lulécio" em 2002, a favor do petista Lula para a Presidência e do tucano Aécio Neves para o governo de Minas, o ex-presidente da República Itamar Franco (1992-1994) agora critica duramente Luiz Inácio Lula da Silva e diz que ele tem de parar de falar "nunca antes neste país": "O Lula não é dono do Brasil e não inventou o Brasil".
Segundo ele, "Lula não é democrata": "Um presidente que vai a Minas dizer que não pode ter um senador de oposição, que zomba da imprensa, que zomba da Constituição, não é democrata."
Ex-senador (1975-1990), Itamar, 80, volta à Casa pelo PPS com a língua afiada. Ao lembrar de Getúlio Vargas, diz que "Lula tornou-se um mito, mas mitos e muros também são derrubados".
Folha - Por que Serra e não Dilma? Itamar Franco - Porque ela tem um discurso monotemático. Se fosse uma estudante, seria uma aluna boa para decorar as lições, não para fazer cálculos. Ela vem com um discurso preparadinho que o presidente ensinou. Já o Serra tem pensamento próprio. Mas, se não mudar o discurso, vai perder.
Mudar em quê? Tem de parar de elogiar ou de ser condescendente com o Lula. Imagine o cidadão que está em casa ouvindo isso: "Puxa, se o candidato da oposição elogia tanto o presidente, para que mudar?"
E o argumento que Lula tem 80% de popularidade e não dá para bater nesse muro? Ele tornou-se um mito, mas mitos e muros também são derrubados.
Não foi o sr. que criou o voto "Lulécio" de 2002? Procurado pelo Zé Dirceu, desisti da disputa e apoiei o Aécio para o governo e o Lula para presidente. Daí surgiu o voto Lula-Aécio.
O que aconteceu depois? Sabe o que o Lula fez em 2006? Foi na minha terra, levou todo mundo e subiu no palanque até com o Celso Amorim, que também foi meu chanceler, para falar mal de mim. Fiquei triste. Agora o Lula fez uma campanha muito violenta em Minas contra a gente de novo, uma campanha que raiou o imoral, agredia os princípios democráticos. Bem, um presidente que faz no Senado o que ele faz, que nem presidente militar fez...
O que foi imoral? Teve nove pessoas presas, distribuindo santinhos apócrifos com as maiores aleivosias contra nós. Saíam de onde? De um comitê do PT.
Se Aécio, Anastasia e o sr. foram eleitos, por que o Serra perdeu em Minas? Nós trabalhamos pelo Serra, mas ele não teve organização nenhuma em Minas.
E o PSDB mineiro? Nós fazíamos um discurso afirmativo, falávamos o que o povo queria ouvir, e o povo mineiro gosta de pegar no candidato, gosta de alisar a gente, e nós atendíamos isso. Serra, não. E até nos debates ele perdeu boas chances de chutar em gol, como quando a Marina levantou uma bola para ele contra a Erenice e ele deixou passar. Foi falar em assunto técnico, oras!
O sr. votou mesmo no Serra? Votei no Serra por causa da coligação, mas muitos amigos votaram na Marina Silva e queriam que eu ficasse com ela. Não fiquei.
Como vê o segundo turno? Em toda a minha vida só vi um homem transferir maciçamente os votos do seu partido: Leonel Brizola para Lula, no segundo turno de 1989. Então, não sabemos. Depende muito da Marina e dos votos dela, mas esse eleitorado é muito disperso e múltiplo.
A Dilma saiu com 14,3 pontos na frente. É possível virar? Isso dá uns 13 milhões de votos e, mais um pouquinho, Serra chega lá. Possível é, e já vimos viradas duas vezes em Minas. Mas ele precisa ser mais afirmativo no campo social, econômico, político.
Como enfrentar Lula? Ele tem de mostrar que o Lula não é dono do Brasil e não inventou o Brasil. Do jeito que as coisas vão, o Lula vai dizer que quem abriu os portos foi ele, não d. João 6º. Tudo é ele, é ele. Por que não dizer o que o Real fez pelo país? Por que não dizer que o pãozinho custava um preço de manhã, outro preço à tarde, outro preço à noite?
Como está a sua relação com Fernando Henrique Cardoso? Não está. Mas se eu defendo escondê-lo? Não defendo. Apesar das minhas desavenças com ele, acho um absurdo escondê-lo. Se não aparece, batem nele de qualquer jeito. Então ele deve aparecer, rebater, xingar.
Como o sr. imagina um Senado com três ex-presidentes? Eu fico olhando o Sarney dizer que o melhor presidente que ele já teve foi o Lula, e penso: sim, senhor, hein, presidente Sarney?
E o Collor? Prefiro falar da chuva.
Que Senado vai encontrar? Um Senado subjugado pelo Executivo. A interferência do presidente é a todo instante, em tudo, até em questões internas. Uma das coisas mais sagradas do Congresso são as CPIs. Pois eu era de oposição e fui presidente da CPI das "polonetas" no governo Geisel e depois da CPI das diretas. E, agora, o presidente diz que não pode ser e não é. Onde já se viu isso? O Senado diz amém, amém.
Em 2011, a bancada lulista vai ser um rolo compressor. Como furar o bloqueio? Fácil não é, mas não é impossível. A ditadura durou 20 anos, mas ela se tornou frágil e caiu. Hoje, se há essa ditadura que o PT quer impor ao país, se acha que só ele sabe o que é bom para o país, é preciso reagir. Quando o Lula diz que "nunca antes neste país", eu penso: o que que é isso? Como é que o sr. Sarney aceita isso? Então, ninguém fez nada? Ao longo do processo, cada um de nós, o Sarney, eu, o Fernando Henrique, foi passando o bastão.
Com maioria lulista, é possível o Aécio presidir o Senado? O Aécio hoje é a maior liderança nacional.
Mais do que o Lula? Mais do que o Lula, porque o Aécio é democrata.
O Lula não é democrata? Não, basta ver as ações dele todos os dias. Um presidente que vai a Minas dizer que não pode ter senador de oposição, que zomba da imprensa, que zomba da Constituição, não é democrata.
Qual sugestão o sr. daria a Lula para o pós-Presidência? O Lula gostou do poder, mas ele vai ver o que é bom depois, quando deixar o poder. Não se pode acostumar com os palácios, os aviões, os helicópteros, com o sujeito que carrega a sua mala, porque isso não é o dia a dia do homem simples, que nós todos somos. O Lula deve saber que, um dia, tudo isso acaba. O poder não é eterno. Nós já tivemos no Brasil um grande presidente que era também o "pai dos pobres" e que depois foi derrubado, não é?
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