domingo, outubro 10, 2010

A democracia desnaturada

A democracia desnaturada
WALTER CENEVIVA – Folha de São Paulo
No Legislativo, é raro a preferência do votante repercutir só na carreira política de seu preferido
É INQUESTIONÁVEL que o debate gerado nos meios de comunicação, mesmo com erros e acertos, contribui muito para o aprimoramento da democracia nacional.
O mesmo se diga do sucesso organizacional das eleições em curso, nada obstante as críticas feitas. A Justiça Eleitoral, com o Tribunal Superior Eleitoral à frente, conseguiu desenvolver as etapas encerradas da disputa de modo qualificado sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski.
Neste ano, o Brasil deu um passo à frente em termos da livre manifestação popular, de eficácia na busca da resposta das urnas.
Essas notas de otimismo devem ser contrapostas, porém, a um tema não resolvido e que ainda preocupa. Envolve principalmente o Poder Legislativo ante distorções entre o resultado numérico e a efetiva preferência do eleitor em cada voto.
Na escolha para o Poder Executivo, o sufrágio vincula o eleitor ao candidato de sua preferência. Quem votou em Pedro sabe que sua decisão ajudou Pedro a se eleger. No Poder Legislativo, porém, é raro que a preferência do votante repercuta apenas na carreira política de seu preferido, isto é, daquele no qual foi lançado seu número ou seu nome.
Talvez se possa dizer que o eleitor, ao votar para alguém no Poder Legislativo, não verá sua opção computada matematicamente para seu escolhido. Com isso, a vontade do povo é ofendida.
Não cabe aqui a explicação integral da descrença. É vinculada, porém, ao sistema legal, em mais de um dispositivo, na determinação dos votos válidos e do total dos apurados, inclusive os em branco, para determinar a estatística eleitoral e a estatística partidária.
O quorum eleitoral parte do número de votantes, dividido pelo de cargos disputados por inscritos necessariamente em partidos ou coligações, estabelecendo a proporção a cada segmento. Se o leitor quiser contato com a lei, vá ao art. 106 e aos seguintes do Código Eleitoral.
As coligações heterogêneas, sem compatibilidade de programas e objetivos partidários, também interferem no Poder Executivo, mas não tanto. Em nível nacional ou estadual, aliados em um Estado são inimigos em outro. Subdividem-se em setores não compatíveis, prejudicam o sentido do voto, dado o caráter nacional dos partidos (Constituição, art. 17, inciso 1), que só autoriza alianças ou coligações válidas nacionalmente.
A consequência do despeito a essa norma é incompatível com o princípio democrático. A Constituição diz, no parágrafo único do art. 2º, que todo poder emana do povo.
A norma é desmentida pelas distorções do processo eleitoral. Tome-se o exemplo do número de eleitos com a subdivisão dos votos do candidato Tiririca (PR) -sem discutir seus dotes- pela aplicação dos quocientes partidários, com a distribuição das sobras na forma do Código. Repete casos do passado, sem que a lei seja corrigida.
Devemos colher a lição, neste pleito muito bem-sucedido, para dar valor à força do voto. Legislativo e Executivo dão exemplos de eleitos por partidos inexpressivos, sem caráter rigidamente nacional, cujos candidatos mudam de partido como se fossem mudar de camisa.
O abuso inviabiliza a efetiva prática democrática. Este é um bom momento para debatermos e corrigirmos os defeitos conhecidos na busca do melhor.

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