domingo, outubro 10, 2010

Não é preciso crer, bruxarias existem

Não é preciso crer, bruxarias existem
Por Wilson Figueiredo - Jornal do Brasil
O segundo turno, seja qual for a circunstância política, não é e dificilmente chegará um dia a ser eleição. Está mais para plebiscito, no bom sentido etimológico. Quem insinua, com jeito e paciência, é o deputado Roberto Freire, agora por São Paulo, ao examinar a configuração do processo eleitoral em curso. Na História do Brasil, a função do plebiscito tem sido a de guarda-costas do presidencialismo, em prejuízo da democracia.
Se há um vencedor no primeiro turno da sucessão presidencial em curso, alongada pelo surpreendente resultado das urnas, só pode ser a oposição, que não tinha lugar certo quando o segundo turno não passava de hipótese e as pesquisas de opinião pública eram levadas ao pé da letra. Já o governo Lula e os seus agregados, apanhados de surpresa, não têm como não se sentir um pouco derrotados e obrigados a assimilar os efeitos da frustração.
No contrapé da vitória preliminar, o PT procedeu como derrotado desde antes. Passou recibo pelo insuficiente saldo eleitoral nos pontos de maior prestígio no mapa da Federação, os estados de maior peso político. Nem se lembrou de afogar a amargura com as vitórias socialista em Pernambuco e petista no Rio Grande do Sul.
O presidente Lula, no que lhe diz respeito, não crê em bruxarias que não sejam de procedência sindical mas, em caso de eleições, sabe perfeitamente que elas marcam presença sempre que possível. Será conveniente, porém, considerar que o segundo turno se dará exatamente no dia 31 de outubro, que é a data em que as bruxas se soltam. O Halloween já é por si mesmo um segundo turno. Não se trata de mera coincidência, já que o elemento sobrenatural não brinca em serviço.
Não foi por acaso que em 2002 Lula escreveu uma carta endereçada à burguesia brasileira como proposta irrecusável, e então se elegeu, na quarta tentativa de chegar ao Planalto. Nunca, antes, desde Caminha e depois Getulio Vargas, uma carta foi tão importante na História do Brasil. Era de supor que Lula tivesse aprendido a relacionar-se com derrotas, a julgar pelo obsequioso silêncio que guardou. Mas, pelo visto, ainda não se refez, pois o apóstolo da pacificação escolhido para o segundo turno ficou a uma distância superior à dúvida: por que o embaixador da boa vontade teria de ser logo Ciro Gomes, que anda com bombas de efeito retardado no bolso como um cavaleiro no deserto de homens e ideias?
O feitiço virou contra o feiticeiro, que se esqueceu das condições em que havia chegado ao poder, numa onda de cortesia e bons modos. Se não era este o momento, por que valer-se dos trunfos ameaçadores que o distanciaram da vitória em três eleições? Assustar a classe média é mais imprudente do que contraproducente, a esta altura em que se torna conveniente distinguir o que é duradouro e o que não passa de fogo de artifício. Dona Dilma Rousseff não chega ao fim das frases lançadas em público quando enuncia alguma coisa que não sabe bem o que seja, e deixa subentendido o que não queria dizer. A candidata pode se preparar para enfeitar, com voz pausada e sem tempero emocional, versão palatável para o episódio da demissão de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, no qual Lula fez o papel de Pilatos ao lavar as mãos em público, e coube a Dilma Rousseff a função do carrasco. O espetáculo vai ser contado com teor apropriado aos autos de fé e percorrerá a campanha no segundo turno como se fosse Semana Santa. E ainda fica devendo a inesgotável questão de ser ou não ter sido a favor nem contra a legalização do aborto.
Esta eleição não fugiu à norma: o pessoal do PT (no PMDB é diferente) e seus candidatos, mais do que ninguém, falaram no primeiro turno como se tivessem autorização da vitória. O grande mistério de Lula, que não se expõe sob resultados insatisfatórios, é evitar a relação entre o que disse e o que as urnas disserem depois. Bancou várias vitórias frustradas no primeiro turno mas nada pode garantir que será diferente no segundo. Está cada dia mais próxima de Lula a hora de passar a limpo, não seus dois mandatos, mas ele próprio, para entrar na história em condições apresentáveis e retribuir com o respeito devido aos que o elegeram e reelegeram. Cada dia que encurta a distância entre Lula com o pós-Lula deve ser um ato de mortificação à medida que for percebendo que são múltiplas as vias que levam a 2014. Afinal, não há seguro de candidatura capaz de compensar insucesso em eleição.

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