quarta-feira, outubro 13, 2010
Enfim, meu caderno de Esportes - Pedro Bial
Enfim, meu caderno de Esportes - Pedro Bial
O Globo Online
Aqui vamos falar de um tudo, não apenas de futebol, nem só do Fluminense. Nesse primeiro encontro, o papo tá mais tricolor, pois dias tremendos se avizinham. Achei curioso o comentário de alguns a respeito de uma das chances perdidas por Washington no jogo contra o Cruzeiro, em que o time de Muricy foi bem melhor em campo, em especial no primeiro tempo. E daí, não é mesmo?
Ouvi gente dizendo que Washington chutou de canela. Ué, ainda não entenderam que, assim como com o poeta Maiakovsky, “eu sou todo coração!”, com nosso camisa 99, a anatomia também enlouqueceu, ele é canela da cabeça aos pés! E assim, inteiro canela, fará os gols na hora crucial.
Maiores desfalques do Flu: Emerson, Fred e Fernando Henrique. A equipe vem jogando com 10 na linha e futebol é 10 na linha e 1 no gol. Que tal, goleirinho, queimar a minha palavra?
Pois bem, lembrem os que têm idade para se lembrar e saibam os que têm a graça de não saber: quando comecei a ler — falo de 1964, 65 —, os colunistas de esporte tinham time e os leitores conheciam tais paixões! A paixão clubística nunca turvou o brilho de cronistas assumidamente partidários, ao contrário, acreditem, tal fervor nutriu a lucidez embriagada do tricolor Nelson Rodrigues, do botafoguense João Saldanha e do rubro-negro José Maria Scassa, por exemplo. Antes, havia a loucura do flamenguista Ary Barroso, um dos inventores da locução de futebol à brasileira, que não suportava Garrincha: “Lá vai Garrincha, inventar moda, olha só, lá vai Garrincha de novo, fazer firula, vai Garrincha, ai Garrincha...
segurando a bola, assim não dá, vocês estão vendo? Olha lá, assim não dá, não passa a bola, vocês estão vendo? ... (breve pausa para engolir a seco) ... Gol. Gol do Garrincha, gol.
Quase digo que não há honestidade fora da subjetividade, mas isso seria peremptório demais, e “peremptório” é uma palavra metida a besta, que deveria ser barrada das páginas esportivas, no mínimo mandada para o banco de reservas, substituída por vocábulo mais ágil e artilheiro como “certo” ou pelo veterano “categórico”, amigo íntimo dos “entortadores do vernáculo”, como o tricolor Sérgio Porto carinhosa e precisamente chamava os nossos “speakers”.
Portanto, devo avisar — já que o leitor, assim como a torcida do Flamengo, certamente desconhece — que sou tricolor de coração, corpo, alma e países baixos.
Dito isto, faço aqui minha declaração solene de total parcialidade: creio na busca da verdade, sempre de meu ponto de vista — que são vários.
Firmo, pois, tal pacto: reconhecer a beleza, vista ela a camisa que escolher, ainda mais se for grená, verde e branca, o que já é bom caminho andado rumo ao belo.
Prometo também, quando assistir às pelejas pela TV, poupar de meus afagos as bisavós dos narradores, comentaristas e árbitros, trancar as facas da casa num armário a cadeado, preservando os pulsos deste cronista, e jamais ultrapassar a marca de três dúzias de latas de cervejas por jogo, para garantir minha sobriedade e consequente relato da ópera sobre grama. Ai.
Tenho dezenas, centenas de testemunhas que podem comprovar a minha atitude zen diante das partidas de futebol e de pelejas esportivas em geral, meu comportamento exemplar diante da arena de comoções em chamas. Permaneço frio, impassível, qual lorde inglês, com a notável exceção, vez ou outra, de um grito ou desmaio fortuito, sem maiores consequências. A razão me domina, sou um escravo da lógica, a mãe de todos os resultados futebolísticos, pois não? Entretanto, posso mentir um pouquinho, às vezes...
Por isso, vivo em contrita penitência, aos pés da Santa Cruz, à luz da Crescente Muçulmana e da Estrela de Davi, e dentre todos os símbolos pagãos, mais alto, brilha no céu da manhã, qual luz de um refletor, o escudo do Fluminense, o único emblema clubístico que sorri.
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