quarta-feira, outubro 13, 2010

O veneno do marketing

O veneno do marketing
FERNANDO JORGE C. PEREIRA
Encerrada a apuração, foi impossível ao PT esconder a perplexidade com os resultados.
 A vitória no primeiro turno — tida como certa — não ocorreu, Marina foi muito mais longe do que se supunha, os tucanos — mesmo com baixas significativas — venceram nas unidades da federação de maior peso e, o mais desconfortável, Lula com seus destemperos, vendetas pessoais e desmedida arrogância, acabou apontado como um dos grandes responsáveis pelo revés. Se a vitória pertenceria a Lula, a derrota também, e ficou demonstrado que, longe do que tanto se apregoava, ele não tem nada de imbatível.
Declarações infelizes da candidata sobre aborto e Deus — que pelo visto não é petista — consolidaram uma hostilidade contra Dilma que precisa ser enfrentada, mas o PT se digladia em suas lutas internas e disputas com o PMDB, que é acima de tudo pragmático e fragmentado.
Pouco afeito a contrariedades, Lula submergiu. Há alguns dias quase não fala. Percebendo a disfunção do humor presidencial, muitos o registraram. Até Requião — imaginem — recomendou paz e amor ao presidente. Os críticos aliados, todavia, falaram interna corporis e a solução sobrou para o marqueteiro.
Marqueteiros tradicionalmente recomendam aos candidatos fugir de assuntos controversos e divisivos — como o aborto —, mas, se isso for impossível, aconselham posicionamentos evasivos para minimizar perdas. Assim, temos hoje uma Dilma “cândida” — quem diria! — a dizer coisas tais como “sou a favor da vida” ou “se eu tive um neto é porque sou contra o aborto”.
Por óbvio, não convence ninguém.
Tivesse ouvido apenas o bom senso, Dilma saberia que, com tal atitude, perde duas vezes: a primeira entre os que são rigorosamente contra o aborto e a segunda — contingente muito maior — entre os que são contra a mentira, a desfaçatez e a covardia.
Aparentemente esquecida da internet, não contou com a circulação de vídeos e textos onde suas posições anteriores são francamente expostas em toda a sua leniência neste assunto e, no mínimo, favorável à descriminalização do aborto num contexto de pretensas justificativas sociais ou dialogando com um feminismo de bravata.
A desconfiança que se instala na sociedade acerca de Dilma e suas posições contamina os atributos que ela quis construir, e inevitavelmente mistura fatos, significados, boatos, mentiras e suspeitas. A eventual primeira mulher presidente defende o aborto? Com Lula se pode mais do que Deus? E no rastro de seus desmentidos ... ela quer ou não quer o controle (ou censura?) da mídia? Afinal, Dilma esconde o que pensa? A verdade é que quando o marketing leva à troca de convicções por conveniências, é fácil cair num redemoinho sem volta. Hoje, a comunicação de Dilma Rousseff se dedica à ingrata tarefa de recalibrar posicionamentos.
A tentativa de impregnar seu primeiro programa de temas como “a vida” etc é um tiro a sair pela culatra, na esteira do que foi a despropositada visita em Minas à capela do Mercado Central de Belo Horizonte, recentes aparições com o netinho no colo ou ainda sua biografia “mineira”... tchê.
É assim que o excesso de esperteza marqueteira se torna veneno.
Aos olhos do cidadão médio, antes ela figurava apenas como a favor do aborto e, de salto alto, teria afirmado que nem Jesus lhe tiraria a vitória.
Desmentindo peremptoriamente fatos documentados, nos convenceu que também não diz a verdade. Agora vemos que, além de tudo isso, ela ainda pensa que somos bobos, que não notamos seus truques.
José Serra, o outro candidato a presidente, tem muito a ajustar em sua campanha e para isso precisa se lembrar da fala do povo de que “camarão que dorme a onda leva”.
Dilma deve entender, porém, que fez o seu remédio tornar-se veneno.
Persistir no erro é opção dela, mas não esqueça: veneno mata e é para sobreviver que jararaca não morde a língua
FERNANDO JORGE C. PEREIRA é sociólogo.

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