sábado, outubro 09, 2010

Nobel da Paz enfurece a China

Nobel da Paz enfurece a China
Governo censura notícias sobre premiação de Liu Xiaobo e cerca casa da mulher do ativista
Claudia Sarmento  - O Globo - Correspondente • TÓQUIO
 As advertências prévias de Pequim não surtiram efeito: o Nobel da Paz de 2010 foi concedido ontem a um inimigo do regime, o dissidente Liu Xiaobo, de 54 anos, primeiro chinês a receber o prêmio. O comitê que anuncia a premiação em Oslo citou “sua longa e não violenta luta por direitos humanos fundamentais na China” para justificar a escolha. O professor, crítico literário, ensaísta e ativista político, está preso desde o último Natal, condenado a 11 anos de prisão sob a acusação de “incitar a subversão contra o poder do Estado” e ainda não foi informado da premiação. Além de ameaçar as relações bilaterais com a Noruega, poucas horas após o anúncio, a China convocou o embaixador Svein O.
Saether em protesto à concessão do prêmio. Vencedor do Nobel da Paz em 2009, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu à China, através de um comunicado, que liberte Liu tão logo possível.
 “Nos últimos 30 anos, a China fez notáveis progressos em reformas econômicas e na melhoria da vida de seu povo, retirando centenas de milhões da pobreza. Mas este prêmio nos lembra que a reforma política não seguiu a mesma velocidade e que os direitos humanos básicos de cada homem, mulher e criança têm de ser respeitados” dizia o texto.
A Anistia Internacional, além de vários outros organismos de defesa dos direitos humanos espalhados pelo mundo, engrossaram o coro e pediram que o dissidente seja libertado.
O anúncio — bem menos polêmico que o prêmio concedido a Obama — foi um recado à ditadura chinesa: apesar de sua crescente importância econômica, esperase que a segunda maior economia do mundo reforme sua política de direitos humanos e lembre que está mais sujeita a julgamentos internacionais.
 “O novo status da China deve implicar em maior responsabilidade.
A China viola vários acordos internacionais dos quais é signatária. O artigo 35 da Constituição chinesa estipula que os cidadãos gozem de liberdade de expressão, imprensa, reunião, associação, desfile e manifestação.
Na prática, os chineses estão sendo claramente privados desses direitos”, disse um comunicado do Comitê do Nobel.
Na internet, apenas a versão oficial
A reação de Pequim foi dura. Para o governo, a premiação é “uma blasfêmia contra os próprios princípios do Nobel” e acionou a máquina estatal da censura, a chamada “Muralha de fogo” que, apesar das pressões, está cada vez mais poderosa. A internet é controlada, e fóruns como Twitter e Facebook são proibidos, tornando-se difícil avaliar a repercussão no território chinês. A transmissão do prêmio pela CNN, por exemplo, foi bloqueada.
O microblog sina.com, espécie de Twitter chinês, também deletou qualquer menção à honraria.Tentativas de enviar mensagens de texto pelo celular com citações a Xiaobo falharam.
Somente no fim da noite na Ásia, horas após o prêmio, sites de notícia chineses começaram a mencionar o anúncio, enfatizando apenas o protesto do governo chinês.
— Temos que falar pelos que não podem — disse o presidente do Comitê do Nobel, Thorbjoern Jagland.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Ma Zhaoxu, não poupou críticas à escolha: — Liu Xiaobo foi condenado por violar a lei. Suas ações são diametralmente opostas aos princípios do Nobel, que deve ser dado a quem promove a paz entre os povos, a fraternidade internacional e o desarmamento.
Liu esteve entre os estudantes que lutaram pela democracia em 1989. Foi um dos líderes que negociaram a retirada dos manifestantes da Praça da Paz Celestial quando tanques atropelaram o movimento. Desde então, foi preso várias vezes, enviado a um “campo de reeducação”, banido do mundo acadêmico e impedido de ter seus textos publicados na China. Mesmo assim, é um dos autores do manifesto conhecido como “Carta 08”, em defesa da liberdade política e contra o monopólio do Partido Comunista, que se espalhou pela internet e foi assinado por milhares de pessoas — inspirado no movimento pela democracia na Tchecoslováquia na década de 70.
Sua mulher, a poetisa Liu Xia, que vive em Pequim, afirmou não saber se o dissidente seria avisado do prêmio, porque não tem acesso a um telefone na prisão de Jinzhou, em Liaoning, no norte do país. Ela conseguiu dar declarações curtas a veículos internacionais e avisou que a polícia estava em sua casa e a levaria a Jinzhou.
 “Espero que a comunidade internacional aproveite a oportunidade para pressionar o governo chinês a libertar meu marido”, afirmou ela, por um comunicado da ONG Freedom Now.
A nomeação de Liu torna-o — pelo menos oficialmente — o primeiro chinês agraciado pelo Comitê do Nobel: em 1989, o Dalai Lama recebeu o prêmio, mas apesar de visto como cidadão chinês por Pequim, recebeu-o na condição de refugiado político na Índia.
Outro a ter enfrentado a fúria do governo chinês foi o escritor Gao Xingjian, laureado com o Nobel de Literatura em 2000. Vivendo na França, foi considerado um escritor francês.

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