sábado, outubro 09, 2010

A volta da tropa

A volta da tropa
Zuenir Ventura – O Globo
Um exercício divertido é identificar em “Tropa de elite 2” os personagens reais que se escondem ou se disfarçam em cada tipo criado pelo diretor José Padilha.
Eles compõem a paisagem política do Rio de Janeiro dos últimos anos. Esse aqui lembra aquele ex-secretário de Segurança que teria virado deputado federal com apoio dos milicianos. Esse outro é o deputado estadual Marcelo Freixo, ameaçado de morte por sua ação contra as milícias. Já esse misto de espalhafatoso apresentador de TV e parlamentar reeleito pode não ser quem você está pensando, mas será um parecido. O governador fictício, porém, “não é nenhum e são todos”, como informa o diretor. Como não se trata de documentário, há grande liberdade de reinvenção de pessoas e acontecimentos.
Nenhum personagem do filme é quimicamente puro, muitos são uma mistura, mas todos têm um pé na realidade, o que faz de “Tropa de elite 2” uma espécie de reprodução livre do que a gente já conhece, mas que se apresenta ainda pior quando recriado pela dramaturgia. Mais complexo do que o primeiro, o número 2 desvenda a promiscuidade entre as forças da ordem e da desordem, e revela os bastidores da polícia, com destaque para a infiltração das milícias nas instituições do Estado. Isso as torna mais nocivas e eficazes do que os próprios traficantes que elas substituíram nas favelas, propondo libertá-las para em seguida se apropriarem dos faturamentos ilícitos (venda de gás, aluguel de TV a cabo) e, enfim, do negócio das drogas também.
Padilha não perdoa. Em um momento é dito: “A PM do Rio tem que acabar.” Em outro, afirma-se que metade da Assembleia Legislativa “deveria estar na cadeia; com exceção de uns seis ou sete fichas limpas”. Ou então: “A segurança pública do Rio estava nas mãos dos bandidos.” Na entrevista coletiva que se seguiu ao lançamento do filme no Rio, Wagner Moura — em mais um soberbo desempenho — classificou o agora tenente-coronel Nascimento como um personagem trágico, que não consegue no seu destino mandar. Essa talvez seja a grande diferença entre a ficção e a vida real.
O Rio não é uma tragédia grega: ele tem conserto. Nenhuma de suas mazelas — nem o tráfico de drogas, nem as milícias — é irremediável. Todas têm solução, que só depende da vontade política de seus dirigentes. Tudo isso pode ser discutido; o que é indiscutível é a excelência artística do filme — o roteiro, a direção de atores, a fotografia, as cenas de ação. Mesmo sem ser o Bonequinho, aplaudo de pé o filme e o livro (“Elite da tropa 2”), que é uma outra obra, bem diferente em termos de estrutura narrativa.
Os dois valem a pena.

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