terça-feira, outubro 05, 2010
A política venceu a arrogância
A política venceu a arrogância
Alberto Aggio
O resultado da votação do dia 03 de outubro para presidente da República foi uma derrota política para Lula. Sua arrogância dava como certa a vitória de Dilma Rousseff (PT). Os apoiadores da candidata afirmavam sem nenhum pejo que a carreira política do ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) se encerraria naquela contenda eleitoral. A senadora Marina Silva (PV) era desqualificada como carta fora do baralho: “uma candidata que não se sabe para o que veio”, diziam. Agora descobriram!
A conquista do segundo turno das eleições presidenciais representa uma vitória contra esse tipo de arrogância e um alerta: a maioria dos eleitores brasileiros votou contra a candidata inventada pelo “dedaço” do presidente Lula. Juntos, os votos de Serra e Marina formam uma maioria que poderá se reproduzir no segundo turno, uma tendência que não pode ser desprezada se for examinada com isenção.
Marina Silva perdeu as eleições, mas seus quase 20 milhões de votos garantiu a realização do segundo turno. Mas ela foi vitoriosa em termos políticos. Depois de sair do governo Lula e se candidatar à presidência da República, Marina Silva definiu uma estratégia: discutir os problemas do país e superar o engessamento que Lula queria nessas eleições ao buscar opor os governos do PSDB e do PT dos últimos 16 anos. Lula imaginava que iria fazer Dilma vitoriosa através de um plebiscito: o “nós” (os bons) contra “eles” (os maus), ludibriando a população com números sem substância qualitativa ou isentos de qualquer interpretação e debate. Um equívoco que Marina soube explorar e que o eleitorado corroborou, respondendo com sua expressiva votação.
É uma velha lição política aquela que diz que não se ganha eleição na véspera. Os petistas avaliaram que a eleição iria ser um “passeio”. O excesso de confiança de Lula, ao atacar uma imprensa que sempre cumpriu seu papel no tocante às denuncias de corrupção, a gangrena da nossa democracia, levou Lula a perder o senso de medida e também os votos que poderiam garantir a vitória de sua candidata. A cidadania democrática se insurgiu contra claras as inclinações de autoritarismo do presidente.
Discutir o país é o ponto de partida e o ponto de chegada de qualquer política que busca elevar a qualidade da nossa recente democracia. Foi isso que Lula quis evitar criando a imagem de país pronto e acabado, à sua imagem e semelhança, inebriado pelo consumo e pelo marketing governamental. A cidadania lhe deu uma lição preciosa: disse que quer um segundo turno para discutir concretamente aquilo que se refere diretamente às obrigações do governo federal no que tange à questões importantes, especialmente aquelas que envolvem a infraestrutura do país, a saúde, a segurança e a educação, elementos essenciais para a conquista, avanço e manutenção do desenvolvimento e do bem-estar dos brasileiros. A cidadania quer abrir espaço para o debate que não houve, sem a prerrogativa de que sua candidata seja a melhor simplesmente porque é “amiga do presidente” e tem “orgulho disso” ou porque ela, segundo Lula, está “destinada” a ser a “mãe dos brasileiros”. Lula precisa entender que é o Estado patrimonialista – aquele que as elites costumam entender como coisa sua – que a democracia brasileira está deixando para trás.
A eleição revelou que da parte da oposição (Serra e Marina) existe uma sensível disposição para aprofundar os temas que importam para a construção de um Brasil novo e voltado para o futuro. O arco que passa pela proposta de um “desenvolvimento exigente” tem tudo para se articular com a ideia generosa da sustentabilidade e indicar as bases de uma economia forte, projetada para uma longa perspectiva, sem esquecer os desafios imediatos do presente marcados pela nossa gritante iniquidade. É a política que pode e deve construir o futuro. Com suas vitorias, a arrogância vai ficando para trás.
Alberto Aggio é professor da UNESP-Franca
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