terça-feira, outubro 05, 2010

Região à mercê de turbulências

Região à mercê de turbulências
O Globo
O golpe de junho de 2009 em Honduras e a crise que abalou o governo do Equador na semana passada são exemplos claros de que, apesar dos progressos, a América Latina ainda sofre de perigosa fragilidade institucional. A crise hondurenha se arrastou por meses e dividiu a região entre pragmáticos, que apoiaram a realização de novas eleições (à frente os EUA) e legalistas, que se prenderam a tecnicalidades para tentar reconduzir o presidente apeado do poder (à frente o Brasil).
Sem falar em Cuba — último parque temático do stalinismo, mas a caminho de alguma abertura por absoluta falta de opção —, desenvolveu-se na América do Sul uma vertente “bolivariana” a partir da experiência de Hugo Chávez, na Venezuela. Ela se baseia num populismo nacionalista desenfreado, com paulatina corrosão das instituições democráticas e adoção da chamada democracia direta, em que referendos pontuais substituem (ou convivem com) eleições convencionais. Como políticos de poucos escrúpulos podem chamar como quiserem suas invenções, essa ganhou o nome futurístico de “socialismo do século XXI”. Mas se trata mesmo do velho autoritarismo latino-americano.
Na época dos preços do petróleo nas alturas, Chávez fez de tudo para fazer amigos e obteve a firme adesão de Rafael Correa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia. O recurso ao nacionalismo e os instrumentos chavistas até possibilitaram a Correa interromper o ciclo de instabilidade política no Equador (oito presidentes nos últimos 13 anos). Mas na semana passada ele foi engolfado por um protesto de policiais que haviam perdido algumas vantagens e preferiu chamar a crise de tentativa de golpe. Já Evo Morales teve de tirar o pé do “acelerador bolivariano” depois de uma crise que ameaçou rachar a Bolívia em duas. Na Argentina, os governos K (primeiro Néstor, depois Cristina) têm demonstrado um viés autoritário preocupante, travando uma guerra aberta contra a imprensa independente em que se utilizam de todos os expedientes para sufocar a liberdade de expressão. Na esteira do ocorrido no Equador, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) decidiu acelerar a inclusão de uma cláusula democrática no bloco, como no Mercosul — que isolaria países onde houver ruptura institucional. É uma medida acertada e desejável. Mas é preciso que seja levada a sério. Não pode ser como vem fazendo o principal país da região, o Brasil, em relação ao ingresso da Venezuela no bloco comercial.
Finge que há democracia por lá e apoia a entrada de Caracas no bloco. Assim não há cláusula democrática que dê jeito.

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