sexta-feira, outubro 15, 2010

Cientistas apontam 5 inícios para a vida

Cientistas apontam 5 inícios para a vida
Não há consenso, mas dois dos momentos mais citados são a fecundação e o começo da atividade neuronal
Discussões sobre o momento em que a vida humana surge são recorrentes em debates sobre o direito ao aborto
GIULIANA MIRANDA - DE SÃO PAULO
Os cientistas não têm consenso sobre o momento exato em que começa a vida humana, mas há cinco hipóteses mais aceitas.
Cada uma delas, listadas pelo biólogo americano Scott Gilbert no livro "Biologia do Desenvolvimento", parte de uma característica considerada essencial à existência dos seres humanos.
A primeira é a abordagem genética. Para ela, já há vida no momento da fecundação, porque a união do espermatozoide ao óvulo dá origem a uma nova combinação de genes - um DNA inédito.
"Há vários pontos, inclusive éticos, a considerar, mas eu acredito que a fecundação marca o início da vida", afirma o especialista em reprodução humana Arnaldo Cambiaghi. A maioria das religiões apoia esse conceito.
A geneticista da USP Lygia Pereira diz que a definição do novo genoma é "sem dúvida importantíssimo para o início da definição de vida", mas afirma que isso não significa que seja o ponto definitivo no conceito de vida.
"Existem muito mais fatores", diz ela, que prefere não apontar um momento único.
DEPOIS DA FECUNDAÇÃO
Outro fator, por exemplo, é o início da gastrulação - processo de divisão que dá origem aos diferentes órgãos.
Disso surge uma posição diferente da Cambiaghi, que diz ser necessário esperar até essa divisão começar para determinar o início da vida.
A gastrulação começa quando o zigoto, que a partir desse ponto é chamado de embrião, instala-se no útero.
Boa parte dos abortos espontâneos acontece ainda nesse estágio e a mulher sequer percebe a gravidez.
Um terceiro fator considerado é a atividade neuronal. Como a morte cerebral é interpretada como fim da vida humana, por simetria, o começo da atividade cerebral marcaria o seu princípio. Essa é a opinião da embriologista da USP Irene Yan.
"Como indivíduo, o ser humano começa com o desenvolvimento da atividade cerebral", afirmou ela.
Boa parte dos cientistas considera que isso ocorre após o primeiro trimestre de gravidez, mas há divergência sobre o momento exato.
Para Yan, o critério de vida precisa ser adaptado em cada espécie. "Ouriços do mar, por exemplo, não têm cérebro. Precisamos, então, encontrar outros critérios que determinem a formação de nova vida para essa espécie."
Bem menos difundida, mas também presente, é a abordagem ecológica, uma quarta linha de pensamento.
Para ela, a vida começa quando o feto já é capaz de sobreviver fora do útero, o que aconteceria normalmente no sétimo mês de gestação.
Com o avanço da medicina, no entanto, esse critério fica mais difuso, pois há casos de bebês que sobrevivem nascendo bem antes.
Um último ponto de vista defende que o feto só existe como vida quando se torna biologicamente independente de sua mãe.
No Brasil, esse é o conceito usado para determinar quando o indivíduo passa a ter alguns dos seus direitos constitucionais básicos - o feto só tem personalidade jurídica depois do nascimento.
ANÁLISE
Viés cerebral nos faz encarar o começo da existência como instante mágico
HÉLIO SCHWARTSMAN - ARTICULISTA DA FOLHA
A polêmica em torno do aborto pode ser resumida numa única frase: quando tem início a vida do ser humano?
É uma pergunta enviesada. Ela reflete mais a obsessão humana com essências filosóficas do que a expressão de categorias naturais.
Colocando de outra forma, o que ocorre na natureza, em particular na biologia, são processos, no mais das vezes contínuos. É por um viés de nossos cérebros que gostamos de pontuá-los com instantes mágicos, que marcariam fronteiras que consideramos relevantes entre, por exemplo, o vivo e o não vivo, o humano e o não humano.
Do ponto de vista da natureza (se é que a expressão faz sentido), porém, essas distinções são irrelevantes. A diferença entre um ser humano e um repolho roxo são alguns nucleotídeos fora de lugar.
Já a tara humana por essências parece ser inata. Estudos mostram que, com apenas nove meses, bebês já são capazes de inferir qualidades invisíveis de objetos. Depois de apresentados a caixas musicais, eles esperam que todos os objetos com a mesma forma toquem algo.
Para Paul Bloom, psicólogo de Yale, o essencialismo tem valor adaptativo. Ao fazer-nos observadores atentos, ele evita, por exemplo, que confundamos alface com cicuta, o que, claro, ajuda na sobrevivência.
Só que produz também alguns efeitos colaterais adversos, como o racismo e a astrologia. Está ainda envolvido em nosso gosto por filosofia, por literatura e opera em alguns dos mecanismos cerebrais responsáveis pelo fenômeno da religiosidade.
O fato de o essencialismo existir com força em nossas mentes não implica, porém, que ele corresponda a fatos reais. A própria dificuldade em dizer quando a vida começa mostra que a pergunta pode estar mal formulada. E, mesmo que esteja, constatá-lo dificilmente mudará nossa forma de pensar o aborto em termos essencialistas.
Aborto natural é comum nos primeiros meses
DE SÃO PAULO
Mais de 80% dos abortos espontâneos ocorrem durante os três primeiros meses de gestação.
Isso acontece porque, nesse estágio, o organismo faz um superexame do embrião ou feto em busca de possíveis defeitos.
Se o corpo da mãe detecta anomalias, como alterações nos cromossomos -a principal causa de abortos nesse período-, ele interrompe o desenvolvimento.
O material celular é, em geral, rapidamente descartado do útero e a mulher não chega a perceber que estava grávida.
Em muitos casos, esse descarte acontece como sangramento, que é interpretado como sangue menstrual comum.
Normalmente, abortos desse tipo não necessitam de curetagem -cirurgia para retirada dos tecidos de dentro do útero.
Nos casos de interrupção da gravidez após o primeiro trimestre, inclusive em abortos provocados, a curetagem é indicada para evitar infecções.
Em 2009, o SUS (Sistema Único de Saúde) realizou 183,6 mil procedimentos do tipo em todo o país. (GM)

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