sexta-feira, outubro 15, 2010

'The Wire'

'The Wire'
Hermano Vianna – O Globo – Segundo Caderno
Precisamos de filtros confiáveis que nos ajudem a navegar pelo maremoto informacional digital
Há poucas semanas, Arthur Dapieve, companheiro colunista das sextas-feiras aqui no Segundo Caderno, revelou seu espanto ao constatar que os artistas que enfeitam as últimas capas de sua revista de música pop favorita, a “Mojo”, têm em média 60 anos. Fui logo conferir as capas da minha revista de música favorita, a “The Wire”. A comparação aparentemente não faz muito sentido. Afinal, a “The Wire” (www.thewire.co.uk — não confundir com a “Wired”) não trata só de música pop. Em suas páginas lemos também sobre jazz, música clássica, world music, dub, metal e vários outros gêneros, sobretudo em suas fronteiras mais extremas. Mas por não ser novidadeira, como a “Mojo”, talvez a experiência comparativa possa dar o que pensar.
Este ano, a “The Wire” publicou capas com os seguintes artistas: Chris Watson, The Bug, Felix Kubin, Excepter, Konono No. 1, Alasdair Roberts, Wadada Leo Smith.
Não sinta vergonha se não ouviu falar em nenhum deles.
Isso é bem “The Wire”, uma revista de nicho, para quem tem gosto fora da norma.
Mas procure por esses nomes no Google. Além de escutar música boa e surpreendente, você descobrirá que a banda noise-improv Excepter foi fundada em 2002 e que Wadada Leo Smith vive na vanguarda do jazz desde os anos 60. Muitos grupos étnicos, gerações, orientações sexuais e filosofias artísticas convivem na revista. Para a música avançada, depois de tanto tempo de modernismo, idade não é mesmo documento. Terry Riley foi capa com barba de Papai Noel, aos 73 anos. Joanna Newson foi capa com vestidinho neo-folk, aos 24.
O público da revista deve gostar dessas mudanças bruscas. Ou pelo menos eu gosto, e provavelmente por isso essa seja a única revista que assino. Outras revistas que leio têm similares.
A “The Wire” é única.
A soma dos assinantes com quem compra a “The Wire” em bancas do mundo inteiro não lotaria o Maracanã (mas incluiria nomes como Matt Groening, criador dos Simpsons, e Thurston Moore, do Sonic Youth — os dois assinantes há mais de 15 anos). Tive oportunidade de conversar com Tony Herrington, editor da revista, no final de um recente debate sobre música experimental londrina. Ele me disse que o número de assinaturas se mantém constante há algum tempo, na marca de 85 mil. Esse público fiel paga as contas da revista e a excelência de seu jornalismo ousado, que não se importa com o que está na moda ou o que é conhecido.
Com essa segurança, a revista nem pensa, como a maioria das outras publicações, em deixar de lado o impresso para virar apenas site na internet. É o papel que sustenta a empreitada toda.
Adoro receber meu exemplar pelo correio, quando confirmo mensalmente que ajudo a financiar a produção daquele conteúdo de qualidade.
Sinto que faço parte de um coletivo com responsabilidade global. Um mundo sem a “The Wire” seria um mundo bem mais pobre.
Falo tudo isso com segundas intenções, que não se resumem somente em fazer propaganda e conseguir mais algumas assinaturas para a revista. A lição pode ser mais geral: revista boa e jornal bom não vão acabar por causa da internet. Precisamos cada vez mais de filtros confiáveis que nos ajudem a navegar pelo maremoto informacional digital, com estonteante abundância de ofertas de todos os tipos de produtos, para todos os tipos de público. O que importa é encontrar esse público, o seu público. Não é preciso necessariamente pesquisa de marketing, para saber o que o público quer. No caso da “The Wire”, seu público quer o que não sabe, quer descobrir o novo radical. Se as capas viessem com tudo o que conheço e gosto, cancelaria minha assinatura. É claro que, para ser assim, ninguém pode esperar ter sucesso estrondoso de vendas. O público vai ser pequeno, mas nunca vai trair seu “modelo de negócios”, pois sabe que em nenhum outro local poderá encontrar a seleção e o aprofundamento que sua publicação apresenta e garante.
A ambição vem a reboque: o pequeno pode se tornar referência poderosa, como é a “The Wire”, que indiretamente acaba influenciando outras revistas e o modo como as pessoas vão ouvir música no futuro.
Sem ilusões: é claro que no futuro as massas não vão consumir Eliane Radigue — mas traços de Eliane Radigue estarão cada vez mais presentes em todas as músicas, assim como a música concreta influenciou o hiphop.
Nesse sentido, o debate sobre música experimental em Londres, mediado por Tony Herrington, foi revelador.
Eu até me senti superior, vindo do Rio, terra do Plano B, nosso templo experimental da Lapa. A mesma situação, aqui e lá. Apesar de cenas vibrantes, com muitos músicos talentosos, poucos lugares para tocar. Em Londres hoje praticamente só existem o Café Oto e alguns espaços nas galerias de artes plásticas.
Para radicalismos, as artes plásticas sempre tiveram mais grana, principalmente numa cidade onde a Tate Modern virou atração turística tão popular quanto o Big Ben.
Então todo mundo se vira como pode. Kaffe Matthews, charmosa debatedora, disse que tem feito cada vez menos performances ao vivo com seu laptop. Em vez disso, se dedica à criação de “móveis sonoros” (http://bit.ly/dAsSth), que pelo menos por enquanto não podem ser copiados em redes P2P.
P.S.: Vivienne Westwood nos persegue. Agora está toda vanguarda sustentável na publicidade da DHL (http://bit.ly/bA5KLp): ela “tem um dedo no pulso e um olho no planeta”. Just like us.
Nós quem, cara-punk-pálida?

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