sexta-feira, outubro 15, 2010

Oferta que Obama não poderia recusar

Oferta que Obama não poderia recusar
MOISÉS NAÍM
Não é exercício inútil que o próximo presidente pense em como revolucionar a relação entre Brasil e EUA
EM JUNHO de 2003, o novo presidente do Brasil viajou a Washington para conhecer George W. Bush. Na véspera daquele primeiro encontro, publiquei no "Financial Times" uma coluna em que exortava Bush a ser tão audaz com o Brasil como era com o Iraque. Só que, no caso do Brasil, lhe pedia que, em vez de buscar mudança de regime, fizesse o possível para apoiar o governo Lula.
Propus a Bush que fizesse a Lula uma oferta irrecusável: um amplo e generoso acordo comercial, respaldo sólido aos programas sociais e um sinal claro aos mercados financeiros (para os quais Lula ainda era uma incógnita) de que a Casa Branca acreditava em Lula e lhe dava apoio irrestrito.
Na coluna, expliquei porque esse acordo entre os dois gigantes do hemisfério poderia transformar de maneira muito profunda não apenas o Brasil, mas toda a região, e que era do interesse nacional dos dois países tratarem de consegui-lo. Também reconheci que seria muito fácil zombar de minha proposta -e de minha ingenuidade.
Como sabemos, os dois presidentes surpreenderam o mundo com sua relação inicial cordial. Mas não aconteceu mais nada. Não houve interesse nenhum da Casa Branca em transformar o Brasil em um verdadeiro parceiro estratégico. E, felizmente, Lula não precisou de Bush, e o país se saiu muito bem mesmo sem o apoio ativo dos Estados Unidos. Contudo, sete anos mais tarde, minha ideia continua a ser válida.
Uma aliança forte entre Brasil e Estados Unidos poderia ser a inovação geopolítica mais importante destes tempos. Não se trata de soldados brasileiros irem morrer nas guerras arbitrárias dos norte-americanos, nem de Brasília apoiar automaticamente os ditames de Washington. Esses tempos já ficaram para trás, e os EUA não contam nem com as tropas, nem com o apoio incondicional de aliados tradicionais como ingleses ou canadenses.
O Brasil também mudou: hoje não é imaginável uma aliança baseada unicamente nas prioridades e necessidades de Washington. Trata-se de chegar a uma série de acordos -muito possíveis- sobre temas essenciais para ambos os países e para o resto do mundo: desde as relações comerciais até as mudanças climáticas, desde reformas financeiras e do comércio internacional até a proliferação nuclear ou a maneira como o mundo lida com os deslocamentos inevitáveis gerados pelo crescente poder econômico e político da China, Índia e, é claro, Brasil.
É óbvio que os dois países teriam que fazer concessões, e que não seria fácil para a superpotência do Norte e o gigante do Sul aceitar algumas das condições do outro. Mas é disso que se trata. De entender que essas concessões são um preço que vale a pena ser pago por uma aliança que poderia exercer um impacto positivo enorme.
Minha sugestão, então, é que o próximo presidente do Brasil faça a Barack Obama uma proposta tão atraente que este não possa dar-se ao luxo de recusá-la. Isto pressupõe algo muito difícil: deixar de acreditar que aquilo que convém aos Estados Unidos é ruim para o Brasil. Em alguns casos, é assim; em muitos outros, não. De fato, as questões nas quais existem interesses comuns são mais numerosas e importantes do que aquelas nas quais há, e continuará a haver, diferenças inconciliáveis.
Conheço bem a lista das objeções e dos obstáculos a minha proposta. E sei que ela continua a ser uma ingenuidade. Mas não seria um exercício tão inútil assim que o próximo presidente pensasse com audácia sobre como revolucionar a relação do Brasil com os EUA. O potencial de bem-estar e progresso que se desencadearia se essa ingenuidade virasse realidade é enorme. O próximo presidente do Brasil deve ao menos dar-se ao luxo de imaginá-la.
MOISÉS NAÍM é o principal colunista internacional do "El País" e "senior associate" do Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.
Tradução de Clara Allain

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