sexta-feira, outubro 15, 2010

Just do it, abutres!

Just do it, abutres!
BARBARA GANCIA
Um jornalista da CNN ousou dizer que o ocorrido tem tanto significado quanto a chegada do homem à Lua
E SE VOCÊ FOSSE um dos mineiros chilenos, meu nobre leitor? Tempo não teria lhe faltado para pensar na mensagem que você ia querer enviar ao mundo na volta do inferno, não?
Pois como você emergiria do fosso maldito? Dando um abraço acanhado na sua amante como o mineiro infiel, Yoni Barrios? Reivindicando melhores condições para sua categoria como Mário Sepúlveda, o segundo a ser resgatado?
Nos anos 60, a TV Excelsior costumava reprisar um filme chamado "Como Era Verde o Meu Vale", sobre as agruras de uma família galesa de mineradores. Pelo que me lembro do sofrimento mostrado no filme, acho que teria preferido me juntar a Ingrid Betancourt em seus anos de cativeiro na selva colombiana a passar um dia sequer dentro de uma mina de carvão no País de Gales no início do século 20.
Mas se sempre me compadeci com mineiros por conta do clássico de John Ford ("Como Era Verde o Meu Vale" conquistou Oscar de melhor filme e melhor diretor de 1942), foi outro filmaço sobre, digamos, um drama subterrâneo, desta vez do fabuloso Billy Wilder, que me deixou para sempre com a pulga atrás da orelha em relação à minha profissão. "A Montanha dos Sete Abutres", de 1951, é uma das melhores críticas ao jornalismo que o cinema já perpetrou.
Na época em que "Big Brother" existia apenas no livro de Orwell, Billy Wilder já se dava ao trabalho de ironizar o sensacionalismo e deixar claro que ele não existiria se o público não tivesse uma devoção especial por histórias sórdidas.
Kirk Douglas, no auge da sua canastrice característica, é um jornalista marrom que resolve transformar o acidente que deixa um escavador preso dentro de uma mina abandonada em circo midiático.
O caso dos mineiros chilenos no deserto do Atacama gera curiosidade pelo inusitado do acontecimento. Até aí, não reclamo. Mas nos últimos dias vi muita gente tratar o assunto como se estivesse assistindo a um reality show, só faltou o Pedro Bial para mediar o resgate.
Um jornalista da CNN ousou dizer que o ocorrido tem tanto significado quanto a chegada do homem à Lua. Um bilhão de espectadores com os olhos grudados por horas a fio na TV mais a presença de 1.300 jornalistas, iluminadores e operadores de áudio do mundo inteiro presentes ao acampamento improvisado em Copiapó parecem atestar a importância do fato.
O triunfo da resistência em situações extremadas e da sobrevivência contra qualquer adversidade traz conforto, inspira e comove até o mais implacável dos "voyeurs".
Não sabemos ainda de que maneira os acontecimentos de Copiapó irão nos transformar. Mas sabemos que se "A Montanha dos Sete Abutres" ganhasse uma nova versão, o filme fatalmente teria de levar o mercado em conta.
Se estivesse na pele de um dos mineiros, antes de abraçar o presidente ou a minha vovozinha, eu teria me voltado para as câmeras e exclamado: "Que saudades dos carros da Subaru, da operadora Vivo e dos produtos da L'Oréal!" Quem dorme no ponto é passageiro virado. Ou então executivo de marketing da Ray-Ban. Que jogada genial da Oakley de mandar óculos de sol para cada resgatado, não?
barbara@uol.com.br  @barbaragancia www.barbaragancia.com.br

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