quarta-feira, outubro 06, 2010

Não há o que segure

Não há o que segure
Celso Ming - O Estado de S. Paulo - 06/10/2010
Foi até mais contundente do que estava previsto. Ontem, o mercado interno do câmbio não tomou conhecimento da decisão do governo que dobrou o IOF na entrada de moeda estrangeira destinada a aplicações em renda fixa.
Como está no gráfico que você tem no Confira, em vez de subir, as cotações caíram 1,24%. É preciso esperar mais uns dias para avaliar melhor o impacto desse aumento do pedágio sobre o afluxo de dólares. Em todo o caso, dá para dizer que o governo não ataca as causas do problema e trata mal dos sintomas. O diagnóstico do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é o de que o Brasil está sendo alvo dos especuladores que tomam dinheiro emprestado lá fora a juros insignificantes, trazem os dólares para cá, os convertem em reais e os aplicam no mercado financeiro para embolsar, no mole, os juros mais altos do mundo (operações carry trade). Nessa manobra, despejam moeda estrangeira no câmbio interno e contribuem para o afundamento da cotação do dólar.
A diferença entre juros internos e externos não é a única porta pela qual vão entrando os capitais. Eles vêm também pelo superávit comercial (exportações menos importações), pelos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) e pela Bolsa.
O principal fator que varre dólares para dentro do País é a forte liquidez existente lá fora, que deve ser ampliada. Ontem foi um dia especialmente ruim para quem pretendia manter moeda estrangeira a distância. O Banco do Japão (banco central) derrubou ainda mais os juros e, portanto, despejou mais ienes no mercado. E o euro subiu 1,3% em relação ao dólar.
Outro fator que atrai dólares são os bons resultados da economia brasileira, cujo consumo está crescendo mais de 10% ao ano graças ao doping da expansão das despesas públicas; e é o próprio governo que vai atraindo capitais porque precisa deles para o pré-sal, para as obras da Copa e da Olimpíada, para o trem-bala, para os projetos do PAC, para a capitalização das empresas brasileiras.
Essa enorme dependência da entrada de capital estrangeiro tem uma causa ainda mais profunda, que é o baixo índice de poupança no Brasil, de apenas 16% do PIB. Para crescer em torno de 5% ao ano, a economia precisa investir de 22% a 24% do PIB e isso exige poupança de igual tamanho. Controles sobre entrada de capitais têm impacto insignificante, que não passam do curto prazo, especialmente numa conjuntura em que um punhado de países emergentes, entre os quais o Brasil, vai fazendo tanta diferença.
E, vale repisar, a compra constante de dólares pelo Banco Central produz um efeito contrário ao esperado pelo governo. O efeito imediato é criar demanda para eles e isso num primeiro momento pode evitar uma baixa ainda maior no câmbio. Mas quanto mais exuberantes forem as reservas internacionais, mais dólares chegarão ao País.
O objetivo mais importante não deveria ser desvalorizar o real. Seria garantir competitividade ao produto brasileiro aqui e lá fora. Durante muito tempo, o governo federal tentou compensar essa falta com dólar mais caro. Mas isso já não está sendo conseguido. O aumento de competitividade tem agora de ser obtido por meio da derrubada do custo Brasil: queda da carga tributária, baixa dos juros, redução dos custos trabalhistas, infraestrutura abundante e barata, uma Justiça rápida e coerente e eliminação do excesso de burocracia. Nessas coisas, não dá para inventar demais.
Confira
O câmbio ontem Aí você tem o comportamento da cotação do dólar no primeiro dia de vigência do IOF de 4%, cobrado na entrada de capitais para aplicação em títulos de renda fixa.
O iene em alta
No dia 15, o Banco do Japão despejou US$ 20 bi para impedir que a cotação do iene caísse abaixo de 82 por dólar. As cotações reagiram. De lá para cá, voltaram a ficar perto do piso. Ontem, fecharam a 83,21 por dólar. A intervenção não está sendo suficiente para segurar o câmbio.

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