segunda-feira, outubro 04, 2010

O próximo baile de máscaras

O próximo baile de máscaras
EDUARDO PORTELLA - FOLHA DE SÃO PAULO - 04/10/10
O saldo da redemocratização tem sido bastante modesto, ou até mesmo deficitário; é cada dia mais urgente mobilização cidadã contra a corrupção.
O nosso país vem conseguindo incorporar o baile de máscaras ao trivial variado do seu cotidiano político. E com evidente, embora não louvável, tenacidade.
Se a nossa qualidade de vida depender diretamente da qualidade de nossa democracia, ainda vamos ter de esperar um bom bocado.
O modelo republicano eurocêntrico, de que tanto nos orgulhávamos em dias remotos, é apenas um retrato na parede, mas sem doer.
Desfiguraram e denegriram a promessa do "bem-estar", para prover a falácia do "estar seguro".
Diga-se de passagem, até agora sem resultados satisfatórios. O precário estado de saúde da nossa democracia (quase fui tentado a falar em estado terminal) reduz a nossa confiança no amanhã.
O abandono real da reforma política tem facilitado a circulação inaceitável dos "fichas-sujas", mais ou menos imundos. Os escândalos se sucedem sob o manto das pequenas desculpas. O eleitor, desamparado, contrainformado, vem sendo refém de processo inescrupuloso.
Torna-se cada dia mais urgente a mobilização cidadã contra a corrupção. O saldo da redemocratização tem sido bastante modesto, ou até mesmo deficitário.
Não é de agora que o Brasil vem sendo considerado o forte candidato a medalha de ouro na fraca Olimpíada da desigualdade. Ou mesmo da falência democrática.
Minado de um lado pela corrupção, e do outro pela impunidade (esses dois elementos costumam atuar combinadamente), o vazio institucional se alastra.
É quando as balas perdidas passam a rondar as portas do Estado desorganizado e manipulado.
De nada adianta recorrer a qualquer tipo de retórica, intelectualizada, populista ou popularesca: a qualidade de vida ou é democrática ou não é. O baixo acesso à educação, à saúde e aos direitos do cidadão se constitui em sérios focos de perturbação.
As pesquisas idôneas nos deixam mais do que preocupados com a sorte do nosso ensino superior.
A controvertida hierarquização da pesquisa científica, e sua avaliação por peritos improvisados, nos inquietam. Já é hora de reavaliar a universidade brasileira, hoje colocada no 232º lugar no ranking internacional.
A boa notícia da temporada nos vem da reforma e possível extinção de cursos anunciada pelo Conselho Universitário da USP.
No mais, as coisas não vão muito bem das pernas nem da cabeça. A convocação de professores leigos para atender à demanda quantitativa no ensino médio passa ao largo da obrigação qualitativa. A aprovação automática é mais automática do que aprovação.
A tão falada Bolsa Família não parece passar de um assistencialismo desviante, sem assistência e acompanhamento. O programa eleitoral, esse Carnaval fora de época, exibiu, sem o menor constrangimento, lances altissonantes da comicidade mais barata.
Nunca foi tão difícil escolher a fantasia que vamos vestir no próximo baile de máscaras.
EDUARDO PORTELLA, 77, escritor e professor de pós-graduação da UFRJ, é diretor de pesquisas do Colégio do Brasil e fundador e diretor da "Revista Tempo Brasileiro". Foi ministro da Educação, Cultura e Esportes (governo João Figueiredo), diretor-geral-adjunto e diretor-geral-substituto da Unesco (Paris, 1988-1993) e presidente da Conferência Geral da Unesco (Paris, 1994-1996).

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