segunda-feira, outubro 04, 2010

Votar é apenas um primeiro passo

Votar é apenas um primeiro passo
DOM FERNANDO A. FIGUEIREDO – Folha de São Paulo
Uma vez exercido o voto, pressupostamente resultante de consciência bem formada, impõe-se a necessidade de seguir a atuação dos eleitos
Com razão, há muito tempo se insiste sobre a importância do voto.
Mais do que responsabilidade civil, ele é, sim, responsabilidade ética.
Como se diz, voto não tem preço, mas traz consequências. Estas podem ser benéficas ou maléficas.
Entretanto, com os avanços da consciência social, vemos emergir com força um outro ângulo da questão.Ou seja: as eleições representam apenas um primeiro passo.
Por isso mesmo, são necessários outros passos para que se manifeste de maneira mais incisiva o que significa "exercício da cidadania".
Uma vez dado o voto, pressupostamente resultante de consciência bem formada, impõe-se a necessidade de seguir, rigorosamente, a atuação dos que foram eleitos.
Ao longo desta campanha eleitoral, foram surgindo acusações graves contra vários candidatos, e em todos os níveis. Algumas, com certeza, têm fundamento. Basta pensar nas consequências de reportagens que provocaram demissões e renúncias de figuras importantes dos quadros políticos.
Com isso se evidencia também que, apesar da possibilidade de eventuais exageros, a liberdade de expressão e uma postura crítica por parte do povo são indispensáveis para que a ética seja preservada em todas as instâncias. A democracia é fruto da eterna vigilância.
O aprofundamento da consciência do exercício pleno da cidadania nos remete à Constituição Federal.
Esta deixa claro desde o início que deve estar acima de qualquer interesse pessoal, de grupos ou de partido: "Nós, representantes do povo brasileiro...promulgamos, em nome de Deus ... que todo poder emana do povo e por ele deve ser exercido".
Esta abertura solene, ao mesmo tempo em que mostra a tônica de tudo o que segue, manifesta a clara consciência de que os eleitos e as eleitas não podem se autoproclamar donos do poder. Mas apenas exercem um mandato delegado e provisório.
Ora, tal constatação traz em si uma série de decorrências, que vale a pena recordar no contexto atual.
Antes de mais nada, quem ousa se colocar acima da Constituição não apenas mostra ser infiel administrador do voto de confiança que lhe foi atribuído provisoriamente, como também induz a uma espécie de anarquia, na qual acaba valendo a lei do mais forte.
E o abuso do poder das autoridades acaba induzindo a uma espécie de anomia total, ou seja, a uma violação generalizada e sistemática do que é imprescindível para garantir a cidadania de todos. Com isso, igualmente fica claro que votar é apenas um primeiro passo a ser dado por todas as pessoas cônscias de sua responsabilidade ética e social.
Recentemente, algumas dezenas de instituições conseguiram mover o povo a vetar propostas de lei que se opunham frontalmente à Constituição. Estamos falando de uma série de propostas inseridas no bojo do que se denominou PNDH-3.
Estamos nos referindo ainda à Ficha Limpa, ação popular na qual os cidadãos mostram ter recobrado a consciência de que são eles, e mais ninguém, os últimos detentores do poder. Os eleitos não passam de delegados, não sendo, portanto, plenipotenciários.
Em sua sabedoria, a Igreja Católica, nos ensinamentos sociais, há muito sustenta a necessidade de corpos intermediários vigorosos para impedir todo tipo de autoritarismo e abuso de poder.
Sem isso, reaparecem teimosamente as eternas tentações de pessoas e grupos se julgarem acima de tudo e de todos, usurpando um poder que não lhes pertence.
O único poder reconhecido pelo Evangelho é o do serviço ao bem comum. Daí que a administração sábia de um poder provisório e delegado jamais se conjuga com qualquer tipo de arrogância.
DOM FERNANDO A. FIGUEIREDO, 70, é bispo da diocese de Santo Amaro (SP) e membro da Academia Paulista de Letras.

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