quinta-feira, outubro 07, 2010

Atira no dólar, acerta no consumidor

Atira no dólar, acerta no consumidor
CARLOS ALBERTO SARDENBERG – O Globo
Dólar barato é bom para muita gente e para muitos negócios.
 Para o presidente Lula, por exemplo, é ótimo negócio, mesmo que não pareça à primeira vista.
Mas reparem: dólar barato significa real forte e, com isso, maior poder aquisitivo dos brasileiros.
Viajar para o exterior está muito mais barato. Comprar televisores, computadores, som, celulares, tudo que tem componente importado, também está mais barato. De quebra, o dólar barato derruba a inflação. Com o crédito em expansão, lá se vai o consumo e, daí o tal “sentir-se bem”, que leva as pessoas a gostarem do governo do momento.
Pode ser que tudo seja obra do governo, pode ser acaso, mas pelo sim, pelo não, melhor deixar como está.
Isso explica o voto governista, que se manifestou nas duas instâncias, a federal e a estadual.
Mas por que, então, autoridades do governo federal manifestam preocupação com a valorização do real e tomam medidas para tentar impedir uma queda maior do valor do dólar? Porque há um problema de fato.
Com real forte, os produtos brasileiros de exportação ficam mais caros.
Imaginem que um fabricante de calçados ganhe dinheiro vendendo o par a 100 reais. Com o dólar a R$ 2, ele coloca o sapato lá fora a US$ 50. Com o dólar a R$ 1,68, o mesmo calçado vai a US$ 60, menos competitivo.
Inversamente, o sapato que sai da China a US$ 10 chega aqui a 20 reais, se a cotação é de R$ 2 por dólar. Com a moeda americana a R$ 1,68, o preço cai para R$ 16,80, mais competitivo com o produtor local. Se essa situação envolver grande parte da indústria brasileira, a consequência é simplesmente fechamento de fábricas e perda de empregos.
Resumindo, a dólar a quatro reais faria a festa dos exportadores, mas cairia como uma bomba sobre o consumo da classe média brasileira.
Complicado, portanto. E podemos complicar ainda mais: o dólar barato também facilita a importação de máquinas, equipamentos e tecnologia, o que melhora a competitividade das empresas aqui instaladas. E isso compensa a moeda mais forte.
Por outro lado, o produto chinês chega aqui sem impostos, enquanto a mercadoria brasileira carrega uma imensa carga tributária para o exterior.
Logo, a simples redução de impostos aqui já equilibra boa parte da valorização do real.
Outra complicação: se o governo chinês permitisse a valorização de sua moeda, também compensava. Aliás, esse é um problema global: ao manter sua moeda excessiva e artificialmente desvalorizada, a China distorce todo o comércio mundial. Esse é um dos temas da reunião de hoje em Washington: pressão sobre os chineses.
Tudo considerado, há diversas pontas a puxar para desenrolar esse embrulho.
Mas a ação do governo precisa guardar um mínimo de coerência.
Não é o caso do brasileiro. Reparem: o mundo todo está de bronca com a manipulação da moeda chinesa. Mas o governo Lula, em nome da diplomacia sul-sul, dita estratégica, já considerou a China uma economia de mercado — o que fortalece a posição de Pequim.
(Deixemos de lado, por ora, a ironia da circunstância: uma diplomacia brasileira dita de esquerda, para confrontar o poder dos EUA, declara a China uma economia ... capitalista!) O governo Lula lança medidas para tentar conter a valorização do real — e melhorar a competitividade das empresas locais — mas ao mesmo tempo aumenta os gastos públicos, para o que depende de maior arrecadação de impostos, que sufocam os negócios aqui.
Para turbinar o capital da Petrobras, o governo promove a venda de ações e recebe com satisfação o dinheiro dos investidores estrangeiros — e essa enxurrada de dólares derruba a cotação da moeda americana.
Aí, o governo resolve comprar mais dólares, e acaba fazendo um mau negócio. Toma empréstimo em reais, pagando 10,75% ao ano, para comprar dólares que, aplicados, rendem no máximo 2,5%.
Com isso, aumenta a dívida pública, com duas consequências: o governo precisará de mais impostos para essas despesas e o tamanho da dívida eleva a taxa de juros. Impostos elevados reduzem a competitividade das empresas; juros altos também, além de ser um atrativo para o capital estrangeiro.
Reconhecendo essa situação difícil, o governo manda o BNDES emprestar dinheiro para determinadas empresas cobrando juros subsidiados, bem abaixo do mercado. E para capitalizar o BNDES, o governo toma dinheiro emprestado, pagando juros... de mercado! (Ok, as reservas internacionais constituem um seguro anticrise, cuja e f i c i ê n c i a f o i d e m o n s t r a d a e m 2008/09. Mas se US$ 200 bilhões foram suficientes naquele momento muito ruim, para que seriam necessários 300 bilhões, valor do qual se aproximam as reservas?) Não há uma estratégia. O governo atira no inimigo que está mais perto e se movendo. E atira de primeira, quase sem olhar, atingindo com frequência suas próprias tropas. Fogo amigo em larga escala.
Haveria uma direção a tomar? Sim, mas precisando fazer escolhas. Queremos uma sociedade de consumo, com todo mundo gastando, pessoas, empresas e governo? Então deixa o dólar como está, com mercado aberto, importações livres.
Queremos uma indústria ampla, produzindo quase tudo para o mercado interno? Então tem que fechar fronteiras, desvalorizar o real fortemente, danemse o poder aquisitivo e o consumo.
Mas essas são escolhas pobres.
Não faz sentido sacrificar a indústria em nome de um consumo a qualquer preço. Nem o contrário.
Não se trata de uma escolha de Sofia.
Há um caminho que vai a todos os problemas. Sim, o governo precisa gastar menos, a dívida pública precisa diminuir, o Estado, encolher.
É o caminho da virtude. O nome da coisa é aquele mesmo, ajuste fiscal, que permite os dois passos cruciais: reduzir impostos e reduzir juros. O resto vem na sequência.
Considerando as imensas oportunidades que a economia brasileira oferece para o investimento privado, seria uma moleza.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.

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