quinta-feira, outubro 07, 2010
Liturgia do voto: mais um ato de fé na democracia
Liturgia do voto: mais um ato de fé na democracia
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Quando escrevo, - 23 h do domingo, dia 3 de outubro - já o segundo turno é uma certeza anunciada pela mídia e a grande imprensa. O brasileiro foi às urnas hoje, no território nacional e fora dele, maciçamente, após uma campanha tensa e que baixou muito o nível nos últimos momentos. É por isso e mais que nada que o segundo turno é algo positivo.
Positivo para quem? Podemos e devemos perguntar sem medo. Certamente alguns intransigentes de plantão discordarão. Prefeririam a vitória da candidata petista já no primeiro turno. Fim das agonias, das expectativas, vitória líquida, certa. Mas trata-se apenas da certeza da continuidade da política do presidente Lula, ou de crescer na democracia na qual ainda engatinhamos como nação?
Creio que, se é importante o primeiro ponto, o segundo não fica atrás. Certamente o Brasil fez um gesto simbólico colocando um operário na cadeira de presidente da República. Isso marcou nossa história para sempre. Nunca mais o país será o mesmo depois disso. Acresce o fato de a política econômica do operário-presidente ter surpreendido a todos, à direita, à esquerda e ao centro. E como se não bastasse, o país dos vira-latas com complexo de inferioridade, pedindo desculpas por existir, foi guindado à convivência com grandes potencias, sendo a palavra de seu presidente respeitada e a nação olhada como uma das mais promissoras para o futuro da humanidade.
Quanto a este ponto, mesmo os que não gostam de Lula, que discordam de seu governo em um ou vários pontos, devem concordar. Hoje Brasil é palavra respeitada onde quer que se vá. Olham para nós com respeito e admiração. Esperam de nós sinalizações de futuro e liderança como nunca aconteceu.
Porém, uma vitória no primeiro turno para Dilma Roussef não faria bem ao Brasil novo que hoje somos. Seria fácil demais, “ligeiro” demais, rápido demais. Fará bem a todos e a todas os que acreditamos na democracia, no voto livre como expressão da vontade da maioria, ir outra vez às urnas e depurar nosso exercício cívico e democrático.
Para isso a entrada de Marina Silva no cenário eleitoral foi tão fundamental. Figura de alto coturno ético, comprometida com as lutas mais nobres de nosso país, da pobreza à ecologia, entrou na disputa com ínfima percentagem, menos de 10%. Mas cresceu, cresceu e encerrou a eleição com quase 20%. Porém, mais importante que tudo, introduziu um “terceiro” na equação da campanha que lhe deu mais qualidade, mais vibração e mais seriedade na disputa.
A medida do crescimento de Marina foi a medida pela qual a campanha se dinamizou, se abriu e não ficou restrita às brigas feias e de baixo nível dos dois candidatos que agora vão ao segundo turno. A frágil magreza do norte da candidata que é a cara do Brasil fez a diferença e levou a eleição ao segundo turno.
Ganhou a democracia, ganhou o povo brasileiro, que terá a oportunidade de pensar mais detida e profundamente sua escolha agora decisiva. Ganhamos todos os que apoiamos Marina. Saímos do primeiro turno dessa eleição orgulhosos de nossa candidata e esperançosos de vê-la em Brasília em outra futura eleição, oxalá não tão longínqua.
Há liturgias sagradas, onde o ser humano cultua a divindade em que crê através de gestos, símbolos, cantos e expressões corporais. E há liturgias seculares, nas quais o ser humano expressa suas atitudes cívicas, suas utopias, suas esperanças intra-históricas. A eleição é uma delas. Ao marcar na urna o número do candidato que escolhemos, estamos realizando e fazendo acontecer o ritual que, esperamos , dará o rumo que desejamos à história e criará fatos políticos compatíveis com nossas crenças e esperanças.
Ao participar da imensa liturgia de 200 milhões de cidadãos neste domingo, introduzindo na urna nosso voto, reafirmamos uma vez mais nossa fé na democracia. O resultado que leva ao segundo turno reafirma e confirma essa fé. Uma vez mais, aqui vamos nós. É preciso celebrar a liberdade e participar, para que esse país cumpra seu destino histórico e ocupe seu lugar no mapa do mundo. Que venha o segundo turno!
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