quinta-feira, outubro 07, 2010
Moeda como arma
Moeda como arma
Celso Ming - O Estado de S. Paulo - 07/10/2010
Na semana passada, o ministro Guido Mantega chocou os analistas internacionais quando denunciou a existência de uma guerra cambial no mundo. Mas ele não está sozinho.
Ontem, o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, advertiu pelo diário inglês Financial Times que "está circulando claramente a ideia de que as moedas podem ser usadas como arma". E completou: "Traduzido em ação, esse tipo de ideia traz sério risco para a recuperação global."
Na sexta-feira, os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do Grupo dos Sete (G-7) estarão reunidos em Washington. O tema mais quente da agenda é a instabilidade das moedas.
E ainda ontem, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Tim Geithner, insistiu no assunto. Mas o foco dele foi a China, embora não a mencionasse explicitamente. Geithner disse que "economias grandes que mantêm sua moeda desvalorizada podem causar surto de inflação e bolhas de ativos e, além disso, reduzir o crescimento econômico".
Quando Mantega denunciou a guerra cambial estava preocupado com a inundação de moeda estrangeira no câmbio nacional. Mas, na ocasião, estava particularmente chocado com as consequências para o Brasil da desvalorização do iene pelas autoridades monetárias do Japão.
Não dá para esconder que o importante aí não é propriamente a reação de um punhado de países ricos e emergentes ao enorme afluxo de moeda estrangeira. O importante é a causa de tudo, é a abundância de recursos que inunda os mercados por obra dos países de alta renda.
Durante a crise, o Fed (banco central americano) despejou US$ 2 trilhões nos mercados quando recomprou ativos enjeitados. E gastou mais US$ 300 bilhões para recomprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos, numa operação denominada afrouxamento quantitativo. Enquanto isso, o governo cortou US$ 150 bilhões de impostos e, ao final de 2008, colocou outros US$ 700 bilhões destinados ao socorro aos bancos e a outros setores.
O Banco Central Europeu também foi generoso. Comprou ? 61bilhões em títulos de membros da área do euro. E, além da operação de adquirir dólares no mercado, o Banco do Japão (banco central) decidiu na terça-feira derrubar os juros a zero.
A profusão monetária proveniente dos países de alta renda não está conseguindo acabar com a crise e vai tomando de roldão o câmbio de um punhado de economias emergentes, inclusive o do Brasil.
A questão chinesa é particularmente intrigante. Nos últimos 30 anos, enquanto empilhou reservas, a política econômica da China maravilhou o mundo rico não só porque ajudou a desarmar a bomba comunista, mas também porque derrubou a inflação global que permitiu políticas monetárias frouxas. Mas agora que estão atolados no baixo crescimento econômico e no desemprego, os mesmos países ricos acusam Pequim de manipular seu câmbio e de impedir a recuperação financeira.
Curiosamente, até hoje políticas de câmbio fixo nunca haviam sido consideradas manipulação monetária. Elas só passaram a ser vistas assim porque não interessam às maiores economias do planeta. Fica uma pergunta à procura de resposta. O que é mais manipulação: a compra de títulos dos países ricos pela China com poupança própria; ou a dinheirama despejada nos mercados pelos países de alta renda com a impressão de moeda ou aumento de dívida pública?
CONFIRA
A China sob mira As autoridades dos Estados Unidos já estão ameaçando a China com represálias comerciais. Querem forte revalorização do yuan, a moeda chinesa, para tentar reverter o fluxo comercial hoje largamente superavitário a favor do país asiático.
Guerra comercial Mas e se a China continuar firme em seus propósitos, se continuar com o câmbio fixo altamente desvalorizado? Nesse caso, o risco é de guerra comercial, ou seja, de imposição unilateral de tarifas de importação à entrada de produtos chineses nos Estados Unidos e, eventualmente, nos demais países ricos.
As outras vítimas Não está claro se uma decisão tão radical traria o resultado desejado. Ela prejudicaria não só a China, mas também um grande número de países fornecedores da China, tanto da Ásia como do resto do mundo, inclusive o Brasil. E prejudicaria as grandes corporações americanas e europeias, quase todas elas solidamente instaladas por lá.
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