terça-feira, outubro 12, 2010

Caetano Veloso - Começando a pensar

Caetano Veloso - Começando a pensar
No camarim, um fã que é economista me disse que eu estou liberal demais
 Terríveis as coisas que a gente pode encontrar na internet. Alguns exemplos dados por Aldir Blanc de agressões a Dilma Rousseff postadas por apoiadores do seu opositor são de meter medo.
Outros que amigos me mandaram por e-mail, vindos de ambos os lados, dão a impressão de que a violência covarde é um traço estimulado pelo aparecimento da www. Desanimamos de partilhar o otimismo dos amantes da rede. Recebi a denúncia de um panfleto da TFP que teria sido distribuído na reunião do PSDB para a campanha do Serra. Foi postado num blog. Mas o blog estava evidentemente empenhado em fazer crer que PSDB e TFP são a mesma coisa. É uma utilização maldosa do esquerdismo superficial de quem pensa que apoia Dilma por ser contra a direita.
Alguém postou um trecho de declaração minha conjugada com palavras ditas por Carlos Lacerda nos anos 50.
Não quero fazer aqui uma revisão da apreciação histórica de Lacerda. Mas é preciso lembrar que não estamos em 1953. Do que eu disse, escolheram a palavra “golpista”, como se eu a tivesse usado diretamente contra Lula, como que para fazer par com o “analfabeto” de um tempo atrás. Bem, já falei demais sobre “analfabeto”, logo depois da entrevista ao “Estadão” (em carta enviada ao jornal), e várias vezes depois, incluindo esta coluna no domingo passado. Em Lisboa, numa palestra na Casa Fernando Pessoa sobre as relações entre o tropicalismo e o livro “Mensagem”, declarei que Lula é um ungido que poderia fazer parte da lista das grandes figuras épicas eleita pelo poeta. “Analfabeto” é contingência miúda diante dessa perspectiva.
Mas “golpista” tange outra nota.
Eu odiaria chamar Lula de golpista exatamente no momento em que ele desfez uma possibilidade de movimento de terceiro mandato.
Para mim iss o t e m m u i t o grande importância: que Lula não tenha embarcado numa onda ChávezUribe, regressiva, de tentar perpetuar-se no poder. Sugeri a semelhança da situação de Dilma com a de Dutra: Lula a poderia estar colocando lá para manter a turma e voltar dentro de quatro anos. Mas mesmo isso seria diferente de continuar no poder. Porque sei que Lula está tão cônscio quanto suponho que se deva estar a respeito das diferenças entre o nosso tempo e os anos 40/50. Lula é esperto e alerta. Não só eu, mas o eleitorado brasileiro deu uma sacudidela nele quando ele passou a dizer coisas como “nós somos a opinião pública” ou “a imprensa age como um partido político”. Odeio ler no Paulo Henrique Amorim aquela sigla PIG significando “Partido da Imprensa Golpista”.
Considero que golpista é querer ter publicações que aplaudam unanimemente o governante. Mas não me sentiria bem chamando Lula de golpista por ter sido autoindulgente e ter-se entregue à euforia maníaca. Se Dilma se elege, agora eles já sabem que o fenômeno populista não é tão dominante assim.
Acabo de sair do palco de um show de grande importância para mim. Escrevo às pressas. Mas tenho a excitação de quem começa a pensar.
Depois do primeiro turno, com a clara lição de Marina, parece que começo a pensar em quem votar. De fato não sei. Talvez não vote em nenhum dos dois. Mas fiquei com muita vontade de ouvir o que eles agora têm a dizer.

No camarim, um fã que é economista me disse que eu estou liberal demais, influenciado por Eduardo Gianetti.
Ele diz que Marina, como eu, está tendendo para o liberalismo por influência desse autor.
Na verdade admiro Gianetti porque sou atraído pelas ideias liberais há muito tempo. Em “Verdade tropical” isso está descrito. E Leminski teve de meu ouvir centenas de vezes dizer que sou liberal (não sou, mas o dizia para fazer contraste com o esquerdismo filo-comunista dele). Li o artigo de Safatle na “Folha” sobre Marina estar, como o PV europeu, tendendo para o centro (direita). Não me convenceu.
Wall Street não vai encontrar-se com Marina por aquelas vias. Terá necessariamente de encontrar-se com quem quer que venha a ser presidente do Brasil. O Brasil hoje é parte grande da conta.
O meu fã economista se vale da minha ignorância na matéria.
Ele diz que o que o Brasil precisa agora é de desenvolvimentismo.
Que ele identifica com Dilma. Mas Serra é igualmente desenvolvimentista. Marina se opõe ao desenvolvimentismo sem os resguardos conservacionistas.
Bem, estou entre a proposta liberal da “The Economist”, de taxar o carbono (os americanos deviam encarar essa), e as rebeldes investidas de Glauber Rocha contra todo o movimento ecológico (“Temos muita terra, mata e água para usar: os países ricos exauriram as suas e agora querem nos impedir de crescer”). Mas o que me orienta é o que li no livro “1822” sobre o documento da Câmara dos Vereadores de Santo Amaro do ano da Independência: “A primeira vila do Recôncavo a se pronunciar foi Santo Amaro da Purificação.
No dia 14 de junho de 1822, a Câmara de Santo Amaro reuniu-se para produzir um documento memorável.
Além de declarar seu apoio a D. Pedro, os vereadores elaboraram um programa de governo para o Brasil independente.
Pediam que o novo país organizasse um exército e uma marinha de guerra, um Tesouro Público e um Tribunal Supremo de Justiça.
Propunham também uma junta de governo eleita pelo povo — novidade extraordinária numa época em que o povo não era ouvido para decidir coisa alguma.
Por fim, defendiam tolerância religiosa, a criação de uma universidade e a atração de investidores e capitais estrangeiros para estimular a indústria nacional.” Meu DNA.
Publicado no O Globo de 10/10/2010

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